“A paixão é como o fogo: útil para várias coisas e perigosa apenas numa situação – uso em excesso”.
Christian Nestell Bovee
Basta ligar a TV por alguns instantes para sentir o calor da sensualidade que nos oprime nos dias atuais. A maior parte desta opressão é declarada. Um inocente passeio pelos canais no meio do dia invariavelmente revela pelo menos um casal agarrado sob os lençóis com muita sensualidade.
Mas o calor tornou-se especialmente ardiloso principalmente se o objetivo é vender. A câmera dá um close, em preto e branco, em um rosto feminino forte e lascivo, sobre o qual é colocada uma imagem de uma chama que, depois, se transforma num brilhante vidro do perfume Obsession, da Calvin Klein, com o rosto revelando seu desejo. O vapor grudento da sensualidade penetra em tudo em nosso mundo!
E a igreja não escapou. Recentemente a revista Leadership (Liderança) encomendou uma pesquisa a milhares de pastores. Os pastores mostraram que 12 por cento deles havia cometido adultério durante seu ministério – um em cada oito pastores! – 23 por cento disse que havia feito algo considerado sexualmente impróprio.
A revista Christianity Today entrevistou milhares de seus assinantes que não eram pastores e descobriu que o quadro praticamente dobra, onde 23 por cento dos entrevistados disse que manteve relações extraconjugais e 45 por cento indicou que fez alguma coisa inadequada na área sexual.
Um em cada quatro cristãos é infiel e praticamente a metade tem-se comportado de modo reprovável! Isto é chocante, em especial quando pensamos que os leitores de Christianity Today provavelmente são líderes eclesiásticos bem-formados, anciãos, diáconos, superintendentes e professores de Escola Dominical. Se isto é verdadeiro para a liderança, o que se dirá das estatísticas levantadas entre a membresia? Só Deus sabe!
Isto nos leva a uma conclusão inevitável: a igreja evangélica contemporânea, de um modo geral, é semelhante à de Corinto até as entranhas. Está afundada até as orelhas na lama de sua sensualidade, não importando se:
- a igreja perdeu seu apego à santidade;
- ela é lenta em disciplinar seus membros;
- ela é considerada dispensável pelo mundo;
- muitos de seus filhos não lhe dão importância;
- ela perdeu seu poder em muitas áreas e que, por isso, o islamismo e muitas outras falsas religiões estejam crescendo.
A sensualidade é de longe o maior obstáculo à piedade entre os homens de hoje, avançando muito rapidamente sobre a igreja. Piedade e sensualidade são mutuamente exclusivas, de modo que aqueles que estão amarrados pela sensualidade nunca chegarão à piedade enquanto se mantiverem assim. Se precisamos nos “exercitar (…) pessoalmente na piedade” (1Timóteo 4:7), devemos iniciar com a disciplina da pureza. Deve haver algum calor santo!
Lições de um rei que caiu
Onde devemos buscar ajuda? A experiência mais instrutiva em toda a Bíblia é a história do rei Davi, conforme relatada em 2Samuel 11.
Vida acima de tudo
Conforme nos diz o relato, Davi estava no auge de sua brilhante carreira – mais alto que qualquer outro homem na história bíblica. Ele fora um apaixonado por Deus desde sua infância e tinha uma grande integridade de alma, como atestado pelas palavras de Samuel quando o ungiu como rei: “O homem vê o exterior, porém o Senhor, o coração” (1Samuel 16:7). Deus gostou do que viu! Gostou do coração de Davi!
Era um coração valente, conforme vemos no episódio com Golias, quando respondeu às afrontas do gigante com palavras capazes de quebrar-lhe a espinha. Como se não bastasse isso, derrubou-o com um golpe bem no meio da testa (1Samuel 17.45-49).
Davi tinha o temperamento sanguíneo, transbordante de alegria, entusiasmo e confiança, além de possuir um carisma irresistível. Não parecia ser um candidato a um desastre moral. Mas o rei era vulnerável, pois havia brechas em sua conduta que permitiram que ele caminhasse rumo à tragédia.
Dessensibilização
Em 2Samuel 5, onde há o relato da entronização de Davi sobre Jerusalém, vemos um detalhe, quase uma nota de rodapé, onde lemos” tomou Davi mais concubinas e mulheres de Jerusalém, depois que viera de Hebrom” (v. 13). Devemos notar – e notar bem – que o fato de Davi tomar mais esposas era pecado! Deuteronômio 17, que estabelece os padrões de conduta para os reis hebreus, ordenava que eles deveriam abster-se de três coisas: 1) adquirir muitos cavalos; 2) tomar muitas esposas e 3) acumular muita prata ou ouro (veja os versículos 14-17). Davi agiu corretamente nos itens 1 e 3, mas falhou completamente no 2, colecionando mulheres para um considerável harém.
Devemos entender que a progressiva dessensibilização quanto ao pecado e o consequente afastamento da santidade criou raízes na vida de Davi. A coleção de esposas, apesar de ser considerada “legal” e, portanto, não ser adultério para aquela cultura, era sem dúvida pecado. A permissividade sexual de Davi dessensibilizou-o quanto à chamada de Deus para a sua vida, assim como para os perigos e as consequências da queda. Em resumo, Davi, repleto da sensualidade permitida socialmente, perdera a sensibilidade ao chamado de Deus, tornando-se presa fácil para o pior pecado de sua vida.
É esta sensualidade “legal”, as concessões socialmente aceitáveis, que derrubam os homens. As longas horas diante da TV, o que não é apenas aceito culturalmente, mas é até mesmo esperado do homem, é o altar máximo da dessensibilização. As conversas que se esperam de um homem – com duplo sentido, humor de baixo calão e sorrisos provocados por coisas que nos deveriam encher de vergonha – é outro agente mortal. Sensualidades aceitáveis têm afetado insidiosamente homens cristãos, como as estatísticas atestam. Um homem que sucumbe à falta de sensibilidade gerada pela sensualidade “legal” está fadado a cair.
Relaxamento
A segunda brecha na conduta de Davi, a qual o expôs ao desastre, foi seu relaxamento nos rigores e na disciplina que tinham sido parte ativa de sua vida. Davi estava na metade de sua vida, com mais ou menos cinquenta anos de idade; suas campanhas militares foram tão bem-sucedidas que ele não precisava mais ir pessoalmente à guerra. Com todo o direito, ele entregou o “trabalho sujo” a seu competente general Joabe – e relaxou. O problema é que seu relaxamento alcançou sua vida moral. É difícil manter disciplina interna quando se está relaxado deste modo. Davi estava altamente vulnerável.
Ele não suspeitou que alguma coisa diferente estava para acontecer naquela tarde fatídica de primavera. Não acordou e disse: “Meu Deus, que dia maravilhoso! Acho que vou cometer um adultério hoje!”. Que esta lição se aplique a nós. Quando nos sentimos mais seguros, quando não vemos necessidade de manter nossa guarda alta, quando não pensamos em trabalhar nossa integridade interna com o objetivo de nos disciplinar na piedade, a tentação virá!
Fixação
Era um dia agradável e a noite estava chegando. O rei se postou no terraço para tomar um ar fresco e deu uma olhada em sua cidade durante aquele crepúsculo. Conforme apreciava a paisagem, seus olhos captaram a forma de uma mulher extremamente bela que estava se banhando sem nenhum recato. Para ter uma ideia de quanto ela era bonita, o hebraico é explícito: “esta mulher era mui formosa à vista” (2Samuel 11:2, tradução de João Ferreira e Almeida, revisada de acordo com os melhores textos em hebraico e grego).
Ela era jovem, estava na flor da idade, e as sombras do entardecer tornaram-na mais provocante ainda. O rei olhou para ela… e continuou olhando! Depois da primeira olhada, Davi deveria ter-se virado para o outro lado e retornado à sua câmara, mas ele não fez isso. Sua olhadelatornou-se um olhar direto e, depois, um olhar libidinoso e quente.
Naquele momento, Davi, que fora um homem segundo o coração de Deus, tornou-se um velho sujo e malicioso. Era inegável que uma fixação lasciva tomou conta dele. A verdade nos defronta com algumas sérias questões: você tem uma fixação ilícita que se transformou na única coisa que consegue ver? A coisa mais real de sua vida é o seu desejo? Se é, você está em apuros. Alguns passos decisivos são necessários e nós os veremos mais adiante.
Racionalização
Como se não bastasse aquela fixação mortal, Davi desceu ainda mais um nível, indo para a racionalização. Quando suas intenções se tornaram aparentes diante de seus servos, um deles tentou dissuadi-lo, dizendo: “Porventura não é Bate-Seba, filha de Eliã, mulher de Urias, o heteu?” (tradução de João Ferreira e Almeida, revisada de acordo com os melhores textos em hebraico e grego). Mas Davi não seria contrariado. Uma profunda racionalização tomou conta da mente de Davi, talvez da mesma forma que J. Allan Peterson sugeriu em The Myth of the Greener Grass (O mito da grama mais verde):
“Urias é um grande soldado, mas provavelmente ele não é tão bom marido e amante – ele é muito mais velho que ela – e estará longe por um longo tempo. Esta moça precisa de um pouco de conforto em sua solidão. Esta é uma maneira em que posso ajudá-la. Não quero causar mal a ninguém, e ninguém vai se ferir. Isto não é lascívia – sei muito bem o que é isso. Isto é amor. Não é o mesmo que encontrar uma prostituta na rua e Deus sabe disso. Direi ao servo: ‘traga-me aquela moça’.”
A mente controlada pela lascívia tem uma infinita capacidade de racionalização.
- “Como uma coisa que traz tanta alegria pode estar errada?”
- “A vontade de Deus para mim é que eu seja feliz; certamente ele não me negaria qualquer coisa que fosse essencial à minha felicidade! E isto é essencial!”
- “A questão aqui é o tipo de amor. Estou agindo por amor – o mais nobre tipo de amor”.
- “Meu casamento não foi da vontade de Deus desde o início”.
- Vocês, cristãos, com suas atitudes obtusas e de julgamento, me dão nojo. Vocês estão me julgando. Vocês são os piores pecadores que eu já vi!”
Degeneração (adultério, mentiras e assassinato)
A progressiva dessensibilização, o relaxamento, a fixação e aracionalização criaram o cenário perfeito para uma das maiores quedas de sua história, bem como sua degeneração. “Então enviou Davi mensageiros, que a trouxessem; ela veio, e ele se deitou com ela. Tendo-se ela purificado de sua imundícia, voltou para sua casa. A mulher concebeu e mandou dizer a Davi: estou grávida” (2Samuel 11:4, 5). Davi não tinha consciência de que havia pisado fora da borda do precipício e estava caindo e que a realidade iria aparecer em breve. O fundo do vale estava chegando rapidamente.
Todos nós estamos familiarizados com o comportamento reprovável de Davi, com o modo pelo qual se tornou um assassino e um mentiroso calculista no momento em que encontrou uma maneira de arranjar a morte de Urias e, assim, encobrir seu pecado com Bate-Seba. É suficiente dizer que naquele momento da vida do rei era melhor ter um Urias bêbado do que um Davi sóbrio (v. 13)!
Um ano depois, Davi se arrependeria sob a arrasadora acusação do profeta Natã. Mas as terríveis consequências não poderiam ser desfeitas.
A vontade de Deus: Pureza
Às vezes as pessoas que se dizem cristãs simplesmente não acreditam no que estou dizendo sobre a pureza. Acham que este ensino é algo vitoriano ou puritano. Bem, vitoriano ele não é; mas, com muita alegria, digo que ele é puritano, pois isto é extremamente bíblico. Ao responder a estas pessoas, levo-as à mais explícita chamada à pureza sexual que conheço em toda a Bíblia: 1Tessalonicenses 4:3-8.
Se a leitura desta passagem não é convincente o suficiente em relação à ética bíblica, devemos entender que ela é baseada em Levítico 19:2 que diz: “Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” – um mandamento que é dado no contexto de advertências contra o desvio sexual. Também quero destacar que, em 1Tessalonicenses, somos chamados a nos afastar da imoralidade sexual e, por três vezes, somos chamados a ser “santos”. Rejeitar isso é pecar contra o Espírito Santo – a presença viva de Deus – como a passagem de Tessalonicenses deixa claro.
Se somos cristãos, é imperativo que vivamos vidas puras e piedosas, no meio de nossa cultura semelhante à de Corinto e grandemente pornográfica. Devemos viver acima das horríveis estatísticas, ou a igreja vai se tornar irrelevante e sem poder, e nossos filhos vão deixá-la. A igreja não terá nenhum poder se permanecer longe da pureza.
(Fonte: Vitória sobre a tentação (vários autores). Editor geral: Bruce H. Wilkinson. Mundo Cristão: São Paulo, 1999. pp. 206-214).
Retirado de http://tuporem.cdlpiba.org.br/?p=1029
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