sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Uma filosofia do ministério pastoral

Texto compartilhado com a foto de Franklin Ferreira

Já que toda a prática é a prática de alguma teoria, é preciso articular claramente a base teológica da prática ministerial. Por isso, uma filosofia bíblica do ministério pastoral é essencial àqueles que servem à igreja.1  Nesse caso, temos outra questão importante, nesse tempo de profissionalização ministerial: é necessária uma filosofia de ministério que reflita as demandas bíblicas do serviço cristão, para estabelecer a base adequada pela qual o ministro e o povo de Deus saberão de forma clara a que tarefa aqueles foram chamados por Deus e separados pela igreja.

Comecemos com o texto bíblico, que afirma: “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram a palavra de Deus; e, considerando atentamente o fim da sua vida, imitai a fé que tiveram. Jesus Cristo, ontem e hoje, é o mesmo e o será para sempre. Não vos deixeis envolver por doutrinas várias e estranhas, porquanto o que vale é estar o coração confirmado com graça e não com alimentos, pois nunca tiveram proveito os que com isto se preocuparam. (…) Por meio de Jesus, pois, ofereçamos a Deus, sempre, sacrifício de louvor, que é o fruto de lábios que confessam o seu nome. (…) Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo; porque isto não aproveita a vós outros.” (Hb 13.7-9, 15, 17). A partir desse texto, precisamos perguntar: como podem ser descritas a tarefa dos servos da Palavra, segundo a Escritura Sagrada e ilustrada na história da igreja?

1. Buscam a santidade
Prioritariamente, como o fundamento do serviço cristão, os pastores são chamados a buscar a santidade em tudo o que fazem. Seu alvo supremo é resumido pela primeira pergunta e resposta do Breve Catecismo de Westminster: “Qual o fim principal do homem? O fim principal do homem é glorificar a Deus e gozá-Lo para sempre”. Com esse grande alvo, os verdadeiros pastores guiarão suas congregações pelo exemplo, na busca pela glória de Deus e da plena alegria nele. A partir dessa ênfase, podemos resumir a disposição interna dos pastores nos seguintes pontos:

1.1. Os ministros cristãos devem depender do Espírito Santo. O pastor conhece sua incapacidade de salvar um pecador, entende que a conversão é um drama complexo e multifacetado e sabe que a pregação é o único meio para chamar os eleitos à conversão. Sabe a seriedade em pregar a Palavra e administrar os sacramentos da graça diante do povo de Deus. Por tudo isso, a oração constante do pastor será uma súplica, urgente e dependente, para que o Espírito Santo venha com poder sobre sua vida e ministério.

1.2. Por causa da necessidade de dependência do Espírito Santo, os ministros precisam ser homens de oração incessante, que lutam com Deus. Isto lembra a história que se conta de Thomas Shepard, que foi ministro na Nova Inglaterra no século XVII. Por ocasião da transferência de sua residência para outra cidade, ele notou: “Está faltando uma coisa aqui. Onde está o quarto de oração de minha casa pastoral?” Por causa da ausência do quarto de oração, ele sugeriu que ali começava a decadência dos Estados Unidos.2  Os verdadeiros pastores do povo de Deus sabem o que é agonizar na oração, pois sabem que a oração é o meio da graça pelo qual o Espírito visitará o ministério pastoral e a igreja.

1.3. Por causa da busca pelo Espírito, os ministros buscam a santidade em toda a sua vida. Podemos listar os requisitos bíblicos exigidos do pastor: não deve ser arrogante (Tt 1.7); não deve ser dado ao vinho (1Tm 3.3; Tt 1.7); não deve ser violento (1Tm 3.3; Tt 1.7); não deve ser irascível: (Tt 1.7); deve ser inimigo de contendas (1Tm 3.3); não deve ser novo convertido (1Tm 3.6); deve ser irrepreensível (1Tm 3.2; 1Tm 5.7; 6.14; Tt 1.6, 7), “despenseiro de Deus” (Tt 1.7), esposo de uma só mulher (1Tm 3.2; Tt 1.6), temperante (1Tm 3.2, 11; Tt 2.2), sóbrio (1Tm 3.2; Tt 1.8; 2.2, 5), modesto (1Tm 3.2), hospitaleiro (1Tm 3.2; Tt 1.8), apto para ensinar (1Tm 3.2; 2Tm 2.24), cordato (1Tm 3.3; Tt 3.2), não avarento (1Tm 3.3), não ganancioso (Tt 1.7), deve governar bem a própria casa (1Tm 3.4, 5, 12; Tt 1.6). Deve criar seus filhos com disciplina e respeito (1Tm 3.4), tendo bom testemunho dos de fora (1Tm 3.7), amigo do bem (Tt 1.8), justo (Tt 1.8), piedoso (Tt 1.8); deve exercer o domínio próprio (Tt 1.8), e ser apegado à Palavra (Tt 1.9). Todas essas características são ligadas ao caráter do ministro, descrevendo quem ele deve ser em sua vida privada e pública. Em resumo, pastores buscam ser precisos porque servem a um Deus preciso.

1.4. Diante disso, dia a dia o pastor deve se examinar, fazendo algumas perguntas sérias: Como está sua vida de oração secreta? Ele busca comunhão com o Deus criador e todo-poderoso, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que é comunhão eterna? Será que ele entende que deixar de orar o levará ao desastre? Ele coloca seu coração nas coisas eternas? É sua paixão glorificar a Deus, buscar a santidade e falar contra o pecado?

2. Enfatizam a pregação
2.1. A segunda pergunta e resposta do Breve Catecismo de Westminster diz: “Que regra Deus nos deu para nos dirigir na maneira de o glorificar e gozar? A Palavra de Deus, que se acha nas Escrituras do Velho e do Novo Testamentos, é a única regra para nos dirigir na maneira de o glorificar e gozar”. Em outras palavras, os ministros cristãos, que entendem que a glória de Deus é o tema central de suas vidas, creem que somente por meio das Escrituras conseguirão glorificar a Deus e se alegrar nele para sempre. Em outras palavras, as Escrituras se tornam a regra de fé (regula fidei) da devoção e da pregação cristã. O ministério pastoral é o serviço à Palavra de Deus (Verbi divini minister).

2.2. Por receberem com seriedade as Escrituras como a Palavra de Deus inspirada e autoritativa, os pregadores devem priorizar a pregação expositiva. Como Heinrich Bullinger falou de Ulrich Zwinglio, os servos da Palavra devem se recusar “a cortar em pequenos pedaços o evangelho do Senhor”.3  A pregação deve ser expositiva, isso é, deve expor com fidelidade a ideia central da passagem pregada. Mas essa pregação também deve ser sequencial, na medida em que o texto é sempre pregado em referência ao seu contexto imediato (o capítulo) e seu contexto mais amplo, que é o livro em que a passagem se encontra e o cânon bíblico como um todo. Por isso, os ministros cristãos devem pregar toda a Palavra de Deus, sequencialmente, pois sabem que somente o Espírito Santo, ligado à Palavra, pode salvar pecadores.

2.3. Ligada à ênfase na pregação expositiva seqüencial, os ministros devem ser pregadores doutrinais. Devem pregar “todo o conselho de Deus” (At 20.27) para o povo. O pregador não deve superestimar a condição espiritual da comunidade cristã. Ele deve sempre voltar às doutrinas cristãs mais básicas, o “cristianismo básico”, ou o “cristianismo puro e simples”: Deus o Pai, o Filho e o Santo Espírito; criação, queda, redenção e restauração; a oração e a devoção; a vida cristã e a lei moral; as principais narrativas e os principais personagens bíblicos. Ano após ano, ele deve voltar às questões mais simples da fé cristã. Mas, a partir daí, deve seguir para as doutrina do pecado e incapacidade humana, de Jesus Cristo, a ordem da salvação (ordo salutis) e as últimas coisas.

Os ministros também precisam se opor ao conceito de graça barata, porque esta não é a graça verdadeira. A graça barata não é a graça salvadora, que é graça custosa, já que Deus entregou seu único Filho para morrer por pecadores. E por isso, graça que exige a totalidade da vida dos que a recebem.4  Os servos da Palavra não diminuem as exigências do Evangelho ao pecador.

2.4. Os ministros da Palavra devem ser pregadores práticos, lidando com os casos de consciência. Eles devem aplicar a Escritura àqueles que ainda estão em seus pecados, aos que estão lutando com alguma doença ou passando pela noite escura da alma, aos que estão em dúvidas, e assim por diante. Como um puritano disse certa vez: “O pregador que é o seu melhor amigo, é aquele que vai dizer mais verdades sobre você mesmo”.5

2.5. Os ministros da Palavra devem ser evangelistas. Culto após culto, a audiência que se reúne para ouvir a Palavra deve ser chamada, vez após vez, a se converter de seus pecados, a buscar no Espírito Santo a fé e o arrependimento, obedecendo em humildade a Cristo Jesus. Essa ênfase evangelística deve estar presente nas conversas particulares e no trato pessoal no pastor.

2.6. A prática da pregação de Martinho Lutero e de seus amigos em Wittenberg é uma boa ilustração da centralidade da Palavra no ministério cristão. Na Igreja do Castelo (Schloßkirche), no domingo, às 5h, ele e seus amigos pregavam nas Epístolas Paulinas; ainda no domingo, às 9h, pregação nos Evangelhos Sinóticos; e no domingo à tarde, pregação baseada nos temas do Catecismo Menor; nas segundas e terças, pregação nos temas do Catecismo Menor; na quarta, pregação no Evangelho de Mateus; na quinta e na sexta, pregação nas Epístolas Gerais; e, no sábado, pregação no Evangelho de João.6  Aqui temos um bom modelo de pregação numa congregação, onde estilos literários bíblicos diferentes são bem combinados na pregação, e unidos com aulas catequéticas. Por isso, podia se afirmar de Lutero que ele pregava ensinando e ensinava pregando.7  Em outras palavras, o ministro cristão será um “pastor ensinador” (cf. Ef 4.11).8

2.7. O que Richard Baxter escreveu sobre a pregação afirma a solenidade e seriedade da pregação da Palavra, que é requerida de todo ministro cristão: “Não é coisa pequena ficar em pé diante de uma congregação e dirigir uma mensagem de salvação ou condenação, como sendo do Deus vivo, no nome do nosso redentor. Não é coisa fácil falar tão claro, que um ignorante nos possa entender; e tão seriamente que os corações mais desfalecidos nos possam sentir; e tão convincentemente que críticos contraditórios possam ser silenciados”.9

3. São doutrinais
3.1. Voltamos-nos agora ao conteúdo da pregação. Comecemos resumindo a convicção do apóstolo Paulo sobre a tarefa dos “pastores ensinadores”. Segundo Paulo, Deus ordena que os ministros encarem com seriedade a preservação e ensino das doutrinas cristãs. As palavras do apóstolo: “Guardando o mistério da fé numa consciência pura” (1Tm 3.9); “Procura apresentar-te diante de Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15); “Retendo firme a palavra fiel, que é conforme a doutrina, para que seja poderoso, tanto para exortar na sã doutrina como para convencer os contradizentes” (Tt 1.9); “Tu, porém, fala o que convém à sã doutrina” (2.1).

3.2. Por isso, precisamos considerar o devido lugar da doutrina na estrutura bíblica. Aprendemos nas Escrituras que nosso entendimento doutrinário guia todas as esferas de nossas vidas. Um rápido estudo das epístolas escritas pelos apóstolos Paulo e Pedro ilustram o relacionamento entre a doutrina cristã e a prática cristã, ou, entre aquilo que se deve crer e como se deve viver (credenda e agenda). Por exemplo, em Romanos, temos exposição doutrinal nos capítulos 1 a 11, e exposição prática nos capítulos 12 a 16. Em Efésios, temos exposição doutrinal nos capítulos 1 a 3, e exposição prática nos capítulos 4 a 6. Em Gálatas, temos uma variante ligeiramente diferente: testemunho nos capítulos 1 e 2; exposição doutrinal nos capítulos 3 e 4; e exposição prática nos capítulos 5 e 6. Ainda que essa divisão não seja absoluta, já que Paulo entremeia sua exposição doutrinal com várias aplicações práticas, essa divisão tem sido percebida pelos principais estudiosos das epístolas paulinas. No caso dos escritos de Pedro, só temos uma mudança de estrutura, não de forma. Como se percebe em 1Pedro, vemos uma exposição prática na primeira parte (por exemplo, 1Pe 1.1-12 cf. 1.13-25), seguida das razões doutrinais de tal prática. No que se refere ao evangelho de João, como já se brincou, o tema é dado no prólogo teológico de Jo 1.1-14 – e tudo o mais seria nota de rodapé, no sentido de ser um desdobramento das declarações trinitárias afirmadas naquele texto. Mais uma vez, os ministros cristãos estão comprometidos a pensar teologicamente, já que lidarão com dramas que demandam respostas teológicas. O evangelho de Mateus é estruturado em torno de cinco grandes discursos de Jesus, que formam o eixo pelos quais as narrativas são desdobradas. Na verdade esta estrutura é baseada no Antigo Testamento, na medida em que as narrativas históricas são desdobramentos e ilustrações das bênçãos e maldições pactuais, reveladas e expandidas no Pentateuco; as profecias são as pregações dessas bênçãos e maldições pactuais ao povo da aliança; e os livros poéticos são aplicações concretas e celebração das bênçãos e maldições pactuais.

3.3. O que William Perkins escreveu permanece, ainda hoje, como o resumo do conteúdo da pregação evangélica: “Pregar a Cristo, em Cristo, para a glória de Cristo”.10

3.4. Por tudo isso, os pastores devem estudar com afinco a teologia cristã, em interação com o passado, mas tentando entender o presente. Eles também precisam se atualizar constantemente. E, a partir do estudo da teologia cristã, os ministros devem construir pontes com as várias vocações e relacionamentos representadas na igreja, testemunhando aos fiéis a força motivadora e impulsora da teologia cristã em nossas relações com as várias esferas da criação. O esforço nesse campo trará grandes recompensas, não apenas à igreja onde tal ministro serve, mas especialmente ao próprio ministro.
Aqui cabe uma palavra de alerta: ainda que a doutrina cristã seja o conteúdo da pregação, essa é determinada pelo texto bíblico. A pregação bíblica é exposição bíblica. As doutrinas cristãs funcionam como sinais que guiarão a pregação cristã. O papel do pregador não é expor a dogmática no púlpito; mas usá-la como guia na interpretação e pregação da Palavra à comunidade cristã.11

3.5. De outro lado, o alvo do esforço teológico é a glória de Deus. A teologia cristã deve ser estudada e meditada como ato de culto. Como G. C. Berkouwer afirmou, “todos os grandes teólogos começam e terminam a sua obra com uma doxologia!”12  Aqueles familiarizados com a literatura cristã poderão ver esse principio exemplificado nas obras de Irineu, Atanásio, Agostinho, Anselmo, Lutero, João Calvino, Richard Baxter, Jonathan Edwards e Dietrich Bonhoeffer. O esforço teológico não é um fim em si mesmo; a Deus deve ser dada a glória em tal serviço à igreja.

3.6. Até mesmo a oração, a atitude mais básica do cristão, é guiada por nossas crenças doutrinais. Podemos ilustrar isso com a famosa oração de Anselmo de Canterbury, que orou assim: “Não pretendo, Senhor, penetrar em tuas profundezas, pois de maneira alguma posso comparar meu intelecto com o teu; mas desejo compreender, até certo ponto, tua vontade, que meu coração aceita e ama. Pois não busco compreender para que possa crer, mas aceito para que possa compreender”.13  Por tudo isso, devemos lembrar-nos de que, segundo Lutero, “não existe cristianismo onde não há afirmações”.

4. Eles pastoreiam outros cristãos
4.1 Os ministros cristãos precisam ter uma visão exaltada do ministério pastoral. Eles precisam ter em mente que a igreja pertence a Deus, a mais ninguém, conseqüentemente, devem trabalhar muito sério nela. Seu papel é, na força do Espírito, no processo de ajuntar os eleitos, alimentar as ovelhas e expulsar os lobos do meio do rebanho. Isso se dá pela pregação da Palavra, pela administração correta dos sacramentos e pelo cuidado pastoral – tarefas que tem definido o ministério pastoral durante os séculos.

4.2 A seriedade do serviço ao povo de Deus pode ser ilustrada na carta que um idoso pastor puritano, John Brown, escreveu a um de seus alunos, recém-ordenado, e que servia numa pequena congregação: “Eu conheço a vaidade do seu coração e uma das coisas que vai atingi-lo profundamente é que a congregação, que lhe foi confiada, é muito pequena, principalmente quando você a compara às congregações de seus irmãos ao seu redor. Mas sinta-se seguro em uma palavra vinda de um homem já idoso e experimentado. Quando estiver perante Cristo, prestando conta dessa congregação que recebeu, lá no trono de julgamento, você saberá que recebeu o suficiente”.14

4.3 Seguindo o ensino das Escrituras, os ministros cristãos nunca trabalham sozinhos na igreja local. De acordo com o testemunho bíblico, as igrejas locais são dirigidas por uma pluralidade de presbíteros (At 14.23; 16.4; 20.17; 21.18; Tt 1.5; Tg 5.14). E, segundo a Bíblia, esses presbíteros servem em paridade, não havendo uma hierarquia nessa classe, no serviço numa igreja local. O papel desses presbíteros é administrar a igreja, assim como pregar e ensinar fielmente a Palavra.15

Diferente dos modelos de crescimento de igreja tão em voga em nossa época, o testemunho da Escritura enfatiza que o papel dos ministros cristãos é equipar o povo de Deus para que este glorifique a Deus na criação, cumprindo os mandatos criacionais.16  Em outras palavras, não é papel do ministro que se quer radicalmente bíblico estimular em sua comunidade uma mentalidade de fortaleza, em oposição radical à criação, ou estimular uma mentalidade de mosteiro, onde os cristãos são instados a suportarem sua vida na criação, e encontrarem realização apenas dentro da esfera eclesiástica. Longe disso, a tarefa pastoral é enviar os cristãos à criação, como agentes da antecipação escatológica da restauração de toda a criação.

Nesse sentido, as únicas pessoas chamadas a encontrar realização no serviço eclesiástico são justamente aqueles chamados ao ministério da Palavra e dos sacramentos. A tarefa dos outros cristãos, equipada e pastoreada por esses, é glorificar a Deus lá fora, na criação, encontrando realização pessoal e profissional em sua vocação secular.

4.4 Os pastores mais experientes treinam os novos pastores. Os seminários teológicos protestantes, como os conhecemos hoje, somente foram instituídos há cerca de 200 anos. A forma antiga de preparo ministerial era simplesmente levar o estudante do ministério a trabalhar sob responsabilidade de ministros mais experientes. Seminários – pelos menos os ortodoxos e saudáveis – oferecem conteúdo teológico e rigor acadêmico, não mais do que isso. Deus concede pastores à igreja não através de seminários, mas por meio do testemunho e ajuda de outros pastores, mais experientes, e fieis no serviço às igrejas.

4.5 Em suas visitas, os ministros cristãos precisam redescobrir a catequese. Esse é o modelo por excelência para guiar as conversas na visitação pastoral e a aprofundar os temas básicos da pregação dominical. Desde que a catequese entrou em declínio nas igrejas protestantes, por volta do fim do século XVII, a igreja cristã não conseguiu encontrar nenhum outro modelo tão eficaz para moldar a congregação de acordo com os ensinos principais da fé cristã. Então, podemos e devemos redescobrir a visitação catequética, mesmo em contextos urbanos, de grande mobilidade e distinções sociais.17

4.6 Os ministros da Palavra, em suas visitas, devem servir como pastores e teólogos. Como exemplo, podemos estudar as vidas de William Perkins e Karl Barth.18  Ambos foram grandes teólogos no tempo em que viveram; ambos lecionaram em grandes universidades; e ambos pregavam semanalmente nos presídios das cidades onde viviam. Em suma: devoção, pregação, ênfase doutrinal e cuidado pastoral devem ser mantidos juntos num ministério que almeja ser serviço cristão, de fato, à igreja de Deus.

Podemos concluir com duas histórias, que resumem o que foi escrito acima:

Em 1727, Jonathan Edwards, que se tornaria o maior teólogo nascido nos Estados Unidos, foi ordenado ao pastorado. Ele nos conta o que escreveu em sua ordenação: “Dediquei-me solenemente a Deus e o fiz por escrito, entregando a mim mesmo e tudo que me pertencia ao Senhor, para não ser mais meu em qualquer sentido, para não me comportar como quem tivesse direitos de forma alguma… travando, assim, uma batalha com o mundo, a carne e Satanás até o fim da vida”.19

Sob o reinado de Maria Tudor, a sanguinária, muitos ministros e bispos foram queimados na estaca, a ponto disto ter se tornado um evento comum. Charles Spurgeon relatou a seguinte história aos alunos de sua Escola de Pastores. Durante o reinado de Maria, um homem notou um grande número de pessoas viajando, logo ao amanhecer, na estrada de Smithfield, um lugar geralmente usado para as execuções. Ficou imaginando o que traria um tão grande número de pessoas à rua, fora de suas casas, àquela hora do dia. Então perguntou a um homem que passava: “Para onde vocês estão indo?” Ao que respondeu o homem: “Estamos indo a Smithfield, para ver o nosso pastor ser queimado”. Estão lhes disse: “Porque desejam ver tal coisa? Que proveito isso lhes trará?” Responderam: “Vamos ver o nosso pastor ser queimado para aprendermos o caminho”.20


Fonte: Teologia Brasileira

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1 Devo esta percepção especialmente ao meu colega Alan Myatt, com quem escrevi, em co-autoria, Teologia Sistemática; uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual (São Paulo: Vida Nova, 2008).
2  “Santification in Puritan Practice”, em Joel Beeke, Living for God’s Glory: An Introduction to Calvinism (Orlando, FL: Reformation Trust, 2008), p. 207.
3  Citado em Timothy George, Teologia dos reformadores (São Paulo: Vida Nova, 1993), p. 127.
4 Dietrich Bonhoeffer, Discipulado (São Leopoldo: Sinodal, 2001), p. 9-19.
5 Joel R. Beeke, A tocha dos puritanos (São Paulo: PES, 1996), p. 47-48.
6 Mark Galli, “Fatos notáveis e pouco conhecidos sobre os últimos anos de Martinho Lutero”, Jornal Os Puritanos, Ano 2 – Nº 4 (Julho-Agosto 1994), p. 9. Lutero pregou cerca de quatro mil sermões, sendo que dois mil e trezentos foram preservados.
7 Lutero “sempre ensinava ou na sala de aula ou no púlpito; e sempre pregava tanto no púlpito como na sala de aula”, como afirmado por Roland H. Bainton, Here I Stand; A life of Martin Luther (Nashville, TN: Abingdon Press, 1978), p. 278.
8 Para esta tradução de Efésios 4.11, tratando pastores e mestres como um único grupo, cf. Fritz Rienecker & Cleon Rogers, Chave lingüística do Novo Testamento grego (São Paulo: Vida Nova, 1988), p. 394.
9 Richard Baxter, O pastor aprovado (São Paulo: PES, 1989), passim.
10 William Perkins, The Art of Prophesying (Edinburgh: Banner of Truth, 1996), p. 79.
11 Karl Barth, A proclamação do evangelho; homilética (São Paulo: Novo Século, 2001), p. 56.
12 Citado em R. C. Sproul, Como viver e agradar a Deus (São Paulo: Cultura Cristã, 1998), p. 204.
13 Citado da obra de Santo Anselmo de Canterbury, Proslogium, I, em Franklin Ferreira, Gigantes da fé (São Paulo: Vida, 2006), p. 92.
14 Citado em Mark Dever, Nove marcas de uma igreja saudável (São José dos Campos, SP: Fiel, 2009), p. 14.
15 Cf. especialmente Mark Dever, Refletindo a glória de Deus; elementos básicos da estrutura da igreja (São José dos Campos: Fiel, 2008) e Phil A. Newton, Pastoreando a igreja de Deus (São José dos Campos: Fiel, 2007).
16 Uma exposição exegética e teológica dos mandatos cultural, social e espiritual pode ser encontrada nos livros de Gerard Van Groningen, Revelação messiânica no Antigo Testamento (São Paulo: Cultura Cristã, 2003), p. 99-101, A família da aliança (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), p. 51-64 e Criação e consumação, vol. 1 (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), p. 69-99. Cf. também O. Palmer Robertson, O Cristo dos pactos (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), p. 65-78.
17 Para a importância da catequese, cf. Franklin Ferreira, “Servo da Palavra de Deus: o ofício pastoral em Richard Baxter”, Fides Reformata 9/1 (Janeiro-Junho 2004), p. 129-141 e Joseph Pipa, “Visitação familiar”, Jornal Os Puritanos, Ano 2 – Nº 6 (Novembro-Dezembro 1994), p. 20-24.
18 Para as biografias de Perkins e Barth, cf. Joel R. Beeke & Randall J. Pederson, Meet the Puritans; with a guide to modern reprints (Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2006), p. 469-480 e Eberhard Busch, Karl Barth: His life from letters and autobiographical texts (Eugene, OR: Wipf & Stock, 2005).
19 Citado em “Um gigante espiritual”, Jornal Os Puritanos, Ano 1 – Nº 3 (Agosto 1992), p. 7.
20 David Otis Fuller (ed.), Spurgeon’s Sermon Illustrations (Grand Rapids, MI: Kregel, 1990), p. 61-62.

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