sábado, 29 de junho de 2013

Martírio, o Mais Alto Grau do Discipulado

Por Ricardo Rocha

Pode parecer muito radical essa afirmação, mas era exatamente isso que a igreja primitiva professava. Seguir a Cristo era algo muito sério, não podia ser confundido com uma mera ideologia, ou um sistema religioso dominical ou ainda somente um estilo de vida, seguir a Cristo era o que definia toda a vida do indivíduo, eles se chamavam cristãos!

Não só oravam pelos seus inimigos mas os amavam; davam a outra face, andavam uma segunda milha, não injuriavam, mas abençoavam, deixavam para trás casa, bens e família, carregavam dia-a-dia sua cruz e o que o mundo considerava ganho era para eles perda, na verdade o perder era ganhar e isso se aplicava à própria vida deles, tanto que o martírio era uma prova de quem era verdadeiramente cristão, era esperado e entendido como o mais alto grau do discipulado.

A igreja primitiva estava vivendo em uma sociedade sob o governo Romano que tinha inicialmente uma política básica em questões religiosas, a tolerância! O imperador queria paz e ordem no império bem como o dinheiro das taxas que eram coletadas nas províncias e a forma como mantinha a paz era a tolerância religiosa para com as nações que haviam sido conquistadas, desde que a nova religião não fosse uma ameaça ao império. O problema foi que os cristãos era vistos como uma ameaça e começaram a ser perseguidos. Atenágoras (176 d.C.), filósofo grego, resumiu 3 denúncias contra o cristianismo na época:

1. Canibalismo – Os cristãos eram vistos como canibais. Eles se reuniam para a Ceia do Senhor, esse era o momento central na adoração e a linguagem bíblica que usavam era a mesma linguagem que Jesus usou: “este é meu corpo e meu sangue”, e ainda em João 6 Jesus disse que aqueles que não comessem sua carne e não bebessem seu sangue não teriam parte com Ele. Essa linguagem era um escândalo para os romanos que assumiam que os cristãos estavam comendo e bebendo a carne e o sangue de Jesus em cerimônias religiosas, onde sentavam e comiam juntos e faziam com singeleza e alegria nos corações; então os romanos os odiavam por causa dessa abominação.

2. Incesto – Os cristãos era acusados de terem relacionamentos incestuosos. Os cristãos se relacionavam entre si como irmãos e irmãs porque essa era a linguagem de Jesus; os seus seguidores eram quem Ele chamava de mãe, irmãos e irmãs (Mc 3:32-35). Jesus ensinava que a forma de relacionamento era como em uma família e por causa disso os romanos interpretavam erroneamente o relacionamento deles, pensando que os irmãos casavam entre si e praticavam incesto.

3. Ateísmo - Os cristãos eram acusados de serem ateus.  Perseguição não era generalizada no império, mas surgia em alguns pontos. Se o império passasse por pragas, fome, guerras, etc, os romanos associavam os revézes como fruto de algo espiritual. Eles eram extremamente religiosos e acreditavam que coisas ruins aconteciam porque os deuses estavam zangados pois não estavam recebendo adoração e os cristãos eram culpados de não adorarem os deuses do panteão, eram acusados de ateísmo.

Em ocasiões como essa o imperador Décio ordenou que todos fossem ao templo local e sacrificassem aos deuses para apaziguá-los e a sorte ser restaurada no império. Nos templos pagãos havia um soldado romano que coletava o nome da pessoas sendo testemunha que ela ofereceu sacrifício dando ao adorador um recibo chamado “libeli”, um certificado confirmando sua adoração, confirmando seu dever cívico e religioso diante do império romano para que os tempos maus fossem embora. Muitas vezes soldados paravam as pessoas nas ruas e fiscalizavam se elas tinham o recibo, se tinham prestado adoração aos deuses pagãos, caso não tivessem o recido eram forçadas a ir ao templo sacrificar.

Os cristãos proclamavam que existia somente um Deus, eram monoteístas e isso soava como impiedade pura para os romanos, eram considerados ateus, descrentes porque negavam outros deuses, os monoteístas era tão ruins quanto os incrédulos.

O império romano que tolerava as religiões das nações conquistadas começou a ver o cristianismo como uma ameaça, um perigo real ao governo, uma sociedade secreta, canibal, incestuosa e ateísta que não se submetia ao imperador, somente a Jesus e a tolerância religiosa ruiu. A perseguição veio forte!

Durante o governo do imperador Deocleciano (284-313 d.C.), a igreja cristã estava sendo assolada com perseguição: os cristãos eram banidos das reuniões públicas; os bispos eram enviados para cadeia; os senadores perdiam sua posição política; os cristãos que trabalhavam no serviço imperial eram enviados para campos de trabalho forçado; cristãos perderam seus direitos civis; os escritos cristãos estavam sendo queimados; igrejas demolidas e aqueles que recusavam se prostrar diante as imagens dos deuses e sacrificar a eles eram jogados aos animais ferozes em espetáculos públicos, eram martirizados.

Essa era dos mártires (60 – 313 d.C.) e vemos como a fé tem seu mais alto preço; vemos quanto de fato custa seguir a Jesus e como o martírio era visto como o mais alto grau de discipulados e compromisso com Cristo. Alguns dos mártires:

·          Inácio de Antioquia (110 d.C.) – Foi preso e morto no Coliseu em Roma. Em uma de suas 7 cartas que escreveu à igreja de Roma ele afirma que existem coisas mais importantes e de valor que a própria vida e que deseja ser uma verdadeira testemunha de Jesus Cristo, mas estava com medo de não ser fiel quando fosse devorado pelos animais famintos.

·          Policarpo, Bispo de Esmirna (155 d.C.) – Em Esmirna, um velho cristão chamado Germanicus foi levado a julgamento e desafiado a pensar em sua avançada idade e como seria difícil suportar tortura e morte, mas sendo fiel ao Senhor, mandou que seus acusadores trouxessem as feras para devorá-lo. Com isso o povo começou a pedir a morte dos ateus e procuraram trazer o bispo da cidade, Policarpo. Quando o trouxeram tentaram persuádi-lo a adorar o imperador e amaldiçoar a Cristo e seria liberto, mas Policarpo respondeu: “Por 86 anos eu tenho servido a Cristo, e Ele não tem me feito mal algum. Como poderia eu amaldiçoar meu rei que me salvou?”. O juiz ameaçou-o a queimá-lo vivo, o que policarpo já sabia que iria acontecer devido uma visão que teve anteriormente, e disse “me coloque nas chamas”. Foi queimado vivo juntamente com outros 11 irmãos e quando estava em chamas orou: “Senhor Deus soberano ... eu te agradeço por me considerar digno desse momento, para que, junto com seus martires, eu possa compartilhar do cálice de Cristo” (Justo Gonzalez, The Story of Christianity, vol1, 54).

Martírio era o mais alto grau de discipulado e evitá-lo era uma evidência daqueles que não seguiam a Cristo, esse era o quanto custava seguir a Jesus. Isso era tão sério que 2 movimentos emergiram durante a era dos mártires: Os Novacianos e os Donatistas. Esse 2 grupos pregavam que aqueles que evitavam o martírio, que entregavam os escritos cristãos para serem queimados, eram posicionados fora da igreja, fora da salvação, de tão entrelaçada que estava a questão da perseverança com a salvação. Os Donatistas foram ainda mais longe e começaram a criticar os bispos que não tinham uma vida de santidade dizendo que até os sacramentos que realizavam não tinham validade por causa de sua condição espititual. Se alguém fosse batizado por um destes bispos, o batismo não tinha validade. Tanto os Novacianos quanto os Donatistas foram considerados hereges e Agostinho tratou especificamente com os Donatistas no 4º século afirmando que os sacramentos tem sua validade porque são instituições divinas sem nenhuma relação com a condição atual do bispo: “os sacramentos são sagrados, porque vem de Deus, e seja onde for dado ou recebido por homens de caráter como estes, os sacramentos não podem ser poluídos por nenhhuma perversidade deles, seja dentro our fora da igreja” (Letter to Petilian2, 39.69).

“Quanto custa?” Muitos vem a Cristo mais interessados no que podem adquirir, nas bençãos materiais e até mesmo espirituais (perdão dos pecados, vida eterna), mas não consideram o quanto custa para nós. Aqui não falo da salvação, essa é pela graça mediante a fé em Cristo, já foi conquistada na cruz e nos é dado gratuitamente pela fé, mas o discipulado tem sim seu custo. A Bíblia nos ensina que quando vamos a Cristo temos que entregar nossa vida por completo e segui-lo. Os mártires estavam muito conscientes desta verdade. Embora talvez nunca tenhamos que ser colocados a morte por causa de nossa fé, temos o desafio de não só morrer por Cristo, mas viver para Ele e viver para Cristo implica em morrer diariamente!

A questão é: Estamos nós dispostos a viver para Cristo e pagar o preço do discipulado? Em uma época de comodismo e conforto espiritual, temos coragem de sair nas ruas proclamando a Jesus da mesmo forma que saímos nas ruas com cartazes manifestando nossa indignação contra a corrupção? Somos nos definidos como cristãos acima de todas as coisas? É o evangelho nosso assunto preferido, Jesus nosso Senhor de fato e sua segunda vinda nossa ardente expectativa? É hora de auto-avaliação e olhando para os mártires temos sim que ajustar nosso cristianismo, pelo menos essa é minha oração e caminhada. Que o Senhor te abençoe e inflame seu coração para que sejamos discipulos fiéis!


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