Por Thomas Tronco
“E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judeia e Samaria. Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram grande pranto sobre ele. Saulo, porém, assolava a igreja, entrando pelas casas; e, arrastando homens e mulheres, encerrava-os no cárcere” (At 8.1-3).
O texto acima descreve a primeira perseguição severa contra a igreja cristã. Por um lado, o ódio do mundo
contra a igreja era esperado, já que ele prenunciado por Jesus: “Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros” (Jo 15.20a). Por outro lado, é bem possível que os irmãos de Jerusalém tenham se surpreendido com a mudança brusca de sentimento e de tratamento da sociedade dos seus dias. Isso porque o início da igreja foi marcado pelo sentimento de simpatia da comunidade judaica: “Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo” (At 2.46,47a).
Talvez aqueles irmãos se perguntassem: “O que mudou?”. A resposta é encontrada no sexto capítulo de Atos: “Estêvão, cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo. Levantaram-se, porém, alguns dos que eram da sinagoga chamada dos Libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e Ásia, e discutiam com Estêvão; e não podiam resistir à sabedoria e ao Espírito, pelo qual ele falava” (At 6.8-10). A pregação do Evangelho, o testemunho de vida e a sabedoria de Deus para responder às acusações fizeram de Estêvão e dos demais crentes pessoas odiadas pelos inimigos de Deus. O resultado foi o apedrejamento do diácono de Jerusalém e o início de uma acirrada perseguição a todos quantos professassem Jesus Cristo como Deus e salvador pessoal. A partir daí, o texto escrito por Lucas revela uma dinâmica que atravessa a história da igreja de Deus.
Em primeiro lugar, o mundo persegue a igreja com grande ódio. O capítulo 7 de Atos narra o julgamento e a morte de Estêvão, enquanto o início do oitavo capítulo revela a aprovação de Saulo, conhecido depois da sua conversão como apóstolo Paulo. Sua aprovação talvez se devesse à possibilidade de que ele mesmo, como um dos que vieram da Cilícia (At 6.9), ter sido contradito e envergonhado pela pregação do diácono mártir. Mas se fosse somente por isso, assim que o adversário estivesse morto todo ódio devia cessar, o que nem de perto ocorreu. Na verdade, uma severa perseguição tomou lugar em Jerusalém (At 8.1) e nem mesmo os lares ou seus direitos básicos dos crentes eram respeitados (At 8.3). Com o passar dos dias, o ódio não apaziguado tomou formas mais decididas e cruéis, inclusive em Paulo: “E assim procedi em Jerusalém. Havendo eu recebido autorização dos principais sacerdotes encerrei muitos dos santos nas prisões; e contra estes dava o meu voto, quando os matavam. Muitas vezes, os castiguei por todas as sinagogas, obrigando-os até a blasfemar. E, demasiadamente enfurecido contra eles, mesmo por cidades estranhas os perseguia” (At 26.10,11).
Em segundo lugar, independente do que sinta ou faça o mundo, Deus mantém sua igreja viva e operante. Apesar de a igreja ter respondido à perseguição com uma fuga maciça, nem todos fugiram de Jerusalém, pois os apóstolos permaneceram na cidade e vários irmãos permaneceram na própria região da Judeia. O fato de os líderes da igreja não terem sido exterminados, mesmo estando tão perto dos perseguidores, não se deve a nenhum tipo de imunidade diplomática. Na verdade, eles deveriam ser alvos prioritários dos inimigos e o fato de isso não ter ocorrido revela a proteção de Deus para eles e para as pessoas que foram sendo acrescentadas à igreja daí para frente por meio da fé em Jesus, já que o próprio Paulo revela a existência de várias igrejas na região (Gl 1.22-24). Esse fato surpreendente, apesar de não ser declarado abertamente por Lucas em Atos, é interpretado por meio das palavras de Jesus como uma ação divina: “Edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18).
Por último, também percebemos que o Senhor expande a igreja por meio da perseguição. Há quem olhe para perseguições assim e, cheio de autocomiseração, lamente a má sorte do povo de Deus. Porém, o que ocorreu foi que, tendo de fugir, os crentes foram se radicando em cidades em que passaram a pregar o Evangelho, pelo qual o Senhor salvou pecadores que estavam fora do alcance da pregação antes da perseguição: “Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra” (At 8.4). Com isso, o avanço das boas novas da salvação tomou um caráter definitivo e oficial que foi fruto de uma profunda transformação da visão e da prática da igreja já estabelecida: “Ouvindo os apóstolos, que estavam em Jerusalém, que Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João” (At 8.14). Desse modo, o Senhor, por um meio misterioso para os crentes daqueles dias — a morte de um líder e a perseguição feroz da igreja —, alcançou pessoas perdidas de todas as partes e amoldou o seu povo ao propósito missionário que traçou para ele. Resumindo, quanto mais a igreja era caçada, mais ela crescia e alcançava novos territórios.
Hoje a igreja continua a ser odiada e perseguida. Os métodos de perseguição podem ser diferentes, mas o objetivo é o mesmo. Por isso, também nós, tomando nosso lugar histórico, devemos resistir ao sofrimento, em inteira dependência de Deus, e trabalhar para que a obra salvadora de Cristo alcance mais pessoas e lugares. Ao mesmo tempo, devemos manter a pureza, o testemunho e a firmeza de Estêvão em vez de buscar agradar os perdidos e condescender com eles. E se tivermos de pagar com nossa própria vida, que o fruto do nosso trabalho seja a existência de muitos “homens piedosos” (At 8.2) que nos sepultem e pranteiem nossa partida até que eles também se encontrem conosco na vida eterna!
Fonte: Igreja Redenção
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