“A primeira questão que certamente deve ser perguntada”, escreveu G.W.F. Leibiniz, é “Por que existe algo em vez de nada?” 1.
Esta questão parece ter uma força existencial profunda, que tem sido
percebida por alguns dos maiores pensadores da humanidade. De acordo com
Aristóteles, a filosofia começa com um senso de assombro sobre o mundo,
e a mais profunda questão que um homem pode fazer relaciona-se com a
origem do universo2. Em
sua biografia de Ludwig Wittgenstein, Norman Malcolm relata que
Wittgenstein disse que algumas vezes ele teve certa experiência que
poderia ser mais bem descrita dizendo-se que “quando a tenho, eu fico
assombrado com a existência do mundo. Então sou inclinado a usar frases
como ‘Quão extraordinário é que algo deva existir’” 3 Similarmente,
um filósofo contemporâneo observa, “… Minha mente muitas vezes
revira-se diante do imenso significado que esta questão tem para mim.
Que algo exista de alguma forma parece-me um assunto para o mais
profundo temor.” 4
Por que existe algo em vez de nada?
Leibiniz respondeu esta questão argumentando que algo existe em vez de
nada porque existe um ser necessário que carrega consigo sua razão para a
existência e é a razão suficiente para a existência de todo ser
contingente5.
Embora Leibiniz (seguido por certos
filósofos contemporâneos) tenha considerado a inexistência de um ser
necessário como logicamente impossível, uma explicação mais modesta da
necessidade da existência chamada de “necessidade factual” foi fornecida
por John Hick: um ser necessário é um ser eterno, não-causado,
indestrutível e incorruptível6.
Leibiniz, é claro, identificou o ser necessário como Deus. Seus
críticos, entretanto, contestaram esta identificação, sustentando que o
universo material poderia ele mesmo receber o status de um ser
necessário. “Por que”, perguntou Hume, “não poderia o universo material
ser o Ente necessário, de acordo com esta pretensa explicação de
necessidade?”7.
Tipicamente, esta tem sido precisamente a posição do ateu. Os ateus não
se sentiram compelidos a abraçar a visão de que o universo veio a
existir do nada sem nenhuma razão; ao invés disso, eles consideraram o
universo mesmo como um tipo de ser factualmente necessário: o universo é
eterno, não-causado, indestrutível e incorruptível. Como Russel
claramente colocou, “…O universo está aí, e isto é tudo”8
Será que o argumento de Leibniz nos
deixa, portanto, em um impasse racional ou será que não existem mais
recursos disponíveis para desvendar o mistério da existência do mundo?
Parece-me que existem. É lembrado que uma propriedade essencial de um
ser necessário é a eternidade. Se, então, puder se demonstrar plausível
que o universo começou a existir e, portanto, não é eterno, até este
ponto poder-se-ia demonstrar a superioridade do teísmo como uma
cosmovisão racional.
Assim, há uma forma do argumento
cosmológico muito negligenciada hoje, mas de grande importância
histórica, que objetiva precisamente demonstrar que o universo teve um
início no tempo9.
Originada dos esforços dos teólogos cristãos para refutar a doutrina
Grega da eternidade da matéria, este argumento desenvolveu-se em
formulações sofisticadas através de teólogos Judeus e Islâmicos, que, em
seguida, transmitiram-no de volta ao Ocidente Latino. O argumento,
portanto, tem um vasto apelo inter-sectário, tendo sido defendido por
Muçulmanos, Judeus e Cristãos, tanto Católicos como Protestantes.
O argumento, que denominei como argumento cosmológico de kalam, pode ser demonstrado como se segue:
1. Tudo que começa a existir tem uma causa para sua existência.
2. O universo começou a existir.
2.1. Argumento baseado na impossibilidade de um infinito real.
2.11. Um infinito real não pode existir.
2.12. Um regresso temporal infinito de eventos é um infinito real.
2.13. Portanto, um regresso temporal infinito de eventos não pode existir.
2.2. Argumento baseado na impossibilidade da formação de um infinito real pela adição sucessiva.
2.21 Uma coleção formada por sucessivas adições não pode ser realmente infinita.
2.22 A série temporal de eventos passados é uma coleção formada por sucessivas adições.
2.23 Portanto, uma série temporal de eventos passados não pode ser realmente infinita.
3. Portanto, o universo tem uma causa para a sua existência.
Vamos examinar este argumento mais de perto.
DEFESA DO ARGUMENTO COSMOLÓGICO DE KALAM
SEGUNDA PREMISSA
Claramente, a premissa crucial neste
argumento é (2), e dois argumentos independentes são oferecidos em
suporte dele. Vamos, então, passar a examinar os argumentos que o
amparam.
PRIMEIRO ARGUMENTO DE SUPORTE
Para se entender (2.1), precisamos
entender a diferença entre um infinito potencial e um infinito real.
Grosso modo, um infinito potencial é uma coleção que cresce em direção
ao infinito como limite, mas nunca chega lá. Tal coleção é realmente
indefinida, não infinita. O símbolo para este tipo de infinito, que é
usado em cálculo é . Um infinito real é uma coleção em que o número de membros realmente é infinito.
A coleção não está crescendo em direção ao infinito, ela é infinita,
ela é “completa”. O símbolo para este tipo de infinito, que é usado na
teoria dos conjuntos para designar conjuntos que possuem um número
infinito de membros, tais como {1,2,3,…}, é .
Ora, (2.11) sustenta, não que um número infinito potencial não possa
existir, mas que um número infinito real de coisas não pode existir.
Pois se um número real de coisas pode existir, então isto geraria todo
tipo de absurdos.
Talvez a melhor maneira de trazer à tona a
verdade de (2.11) é através de uma ilustração. Deixe-me usar uma de
minhas favoritas, o Hotel de Hilbert, um produto da mente do grande
matemático alemão, David Hilbert. Vamos imaginar um hotel com um número
finito de quartos. Suponha, além disso, que todos os quartos estão
ocupados. Quando um novo hóspede chega pedindo por um quarto, o
proprietário se desculpa, “Sinto muito, todos os quartos estão
ocupados”. Mas vamos imaginar um hotel com um número infinito de quartos
e suponha mais uma vez que todos os quartos estão ocupados. Não há um
simples quarto vago em todo o hotel infinito. Deste modo, suponha que um
novo hóspede apareça pedindo por um quarto. “Mas é claro!” diz o
proprietário, e ele imediatamente transfere a pessoa do quarto número 1
para o quarto número 2, a pessoa do quarto número 2 para o quarto número
3, a pessoa do quarto número 3 para o número 4, e assim por diante até o
infinito. Como resultado desta mudança de quartos, o quarto número 1
agora se tornou vago e o novo hóspede faz o check-in com gratidão. Mas
lembre-se, antes de ele ter chegado, todos os quartos estavam ocupados!
Igualmente curioso, de acordo com os matemáticos, não há agora mais
pessoas no hotel do que havia antes: o número é simplesmente infinito.
Mas como isso pode acontecer? O proprietário acabou de adicionar o nome
do novo hóspede no registro e deu-lhe suas chaves – como pode não haver
mais uma pessoa no hotel do que antes? Mas a situação se torna ainda
mais estranha. Suponha que um número infinito de novos hóspedes apareça
no balcão pedindo por quartos. “É claro, é claro!” diz o proprietário, e
ele prossegue em mudar a pessoa do quarto 1 para o quarto 2, a pessoa
do quarto 2 para o quarto 4, a pessoa do quarto 3 para o quarto 6, e
assim por diante infinitamente, sempre colocando cada ocupante original
em um quarto cujo número seja o dobro do seu próprio. Como resultado,
todos os quartos de número ímpar se tornarão vagos, e o número infinito
de novos hóspedes é facilmente acomodado. Ainda assim, antes de eles
chegarem, todos os quartos estavam ocupados! E novamente, de modo
bastante estranho, o número de hóspedes no hotel é o mesmo depois do
número infinito de novos hóspedes terem feito check-in, ainda que tenha havido tantos novos hóspedes quanto hóspedes antigos. De fato, o proprietário poderia repetir este processoinfinitas vezes e ainda assim nunca haveria um único hóspede a mais no hotel do que antes.
Mas o Hotel de Hilbert é ainda mais
estranho do que o matemático alemão demonstrou ser. Suponha que alguns
dos hóspedes comecem a sair. Suponha que o hóspede no quarto 1 parta.
Existe agora uma pessoa a menos no hotel? Não de acordo com os
matemáticos – mas simplesmente pergunte para a mulher que arruma as
camas! Suponha que os hóspedes dos quartos 1,3,5,… partam. Neste caso,
um número infinito de pessoas deixou o hotel, mas de acordo com os
matemáticos, não há menos pessoas no hotel – mas não converse com a
mulher da lavanderia! Na verdade, poderíamos fazer com que cada hóspede
saísse do hotel e repetir este processo infinitamente muitas vezes, e
ainda não haveria menos pessoas no hotel. Mas, em vez disso, suponha que
as pessoas dos quartos 4,5, 6,… partam. Em uma simples tirada o hotel
se tornaria virtualmente vazio, o registro de hóspedes reduzido a três
nomes, e o infinito convertido em finitude. E mesmo assim continuaria
sendo verdadeiro que o mesmo número de hóspedes partiu desta vez como da
vez em que os hóspedes dos quartos 1,3,5,… partiram. Alguém pode
acreditar sinceramente que tal hotel possa existir realmente? Estes
tipos de absurdos ilustram a impossibilidade da existência de um número
infinito real de coisas.
Isto nos leva a (2.12). A verdade desta
premissa parece claramente óbvia. Se o universo nunca começou a existir,
então antes de agora houve um número infinito de eventos prévios.
Portanto, uma série de eventos sem começo no tempo implica a existência
de um número infinito real de coisas, ou seja, eventos passados.
Neste ponto pode ser proveitoso
considerar algumas objeções que podem ser levantadas contra o argumento.
Primeiro, vamos considerar as objeções a (2.11). Wallace Matson objeta
que a premissa deve significar que um número infinito real de coisas é logicamente impossível;
mas que é fácil mostrar que tal coleção é logicamente possível. Por
exemplo, a série de números negativos {…-3,-2,-1} é uma coleção infinita
real sem um primeiro membro10. O erro de Matson está em pensar que (2.11) significa afirmar a impossibilidade lógica de
um número infinito real de coisas. O que a premissa expressa é a
impossibilidade real ou factual de um infinito real. Para ilustrar a
diferença entre a possibilidade lógica e a real: não há impossibilidade
lógica de alguma coisa vir a existir sem uma causa, mas tal
circunstância pode muito bem ser impossível de modo real ou metafísico.
Da mesma forma, (2.11) declara que os absurdos conseqüentes na
existência real de um infinito real mostram que tal existência é
metafisicamente impossível. Portanto, alguém pode conceder que na esfera
conceitual da matemática seja possível, dadas certas convenções e
axiomas, falar consistentemente sobre séries infinitas de números, mas
isto de maneira alguma implica que um número infinito real de coisas
seja realmente possível. Pode-se notar também que a escola matemática de
intuicionismo nega até mesmo que a série de números seja realmente
infinita (eles consideram-na potencialmente infinita apenas), então
apelar às séries de números como exemplos de infinitos reais é um
procedimento controverso.
O falecido J.L. Mackie também objetou
contra (2.11), declarando que os absurdos são resolvidos ao notar que
para conjuntos infinitos o axioma “o todo é maior que suas partes” não é
válido, como o é para conjuntos finitos11.
Similarmente, Quentin Smith comenta que uma vez que entendemos que um
conjunto infinito tem um subconjunto próprio com o mesmo número de
membros quanto o próprio conjunto, as situações pretensamente absurdas
tornam-se “perfeitamente críveis”12.
Mas penso que é precisamente esta característica da teoria dos
conjuntos infinitos que, quando interpretada para a esfera do real,
produz resultados que são perfeitamente inacreditáveis, como por
exemplo, o Hotel de Hilbert. Além disso, nem todos os absurdos derivam
da negação pela teoria dos conjuntos infinitos do axioma de Euclides: os
absurdos ilustrados pela saída dos hóspedes do hotel derivam dos
resultados auto-contraditórios quando as operações inversas de subtração
ou divisão são realizadas utilizando-se números transfinitos. Aqui o
problema contra uma coleção infinita real de coisas torna-se decisiva.
Finalmente pode-se apontar a objeção de
Sorabji, que sustenta que as ilustrações como as do Hotel de Hilbert não
envolvem absurdos. Com o fim de se entender o que está errado com o
argumento de kalam, ele pede-nos para imaginar duas colunas
paralelas começando no mesmo ponto e expandindo-se na distância
infinita, uma coluna de anos passados e a outra coluna de dias passados.
A razão por que a coluna de dias passados não é maior do que a coluna
de anos passados, diz Sorajbi, é que a coluna de dias não irá
“expandir-se” além do distante fim da outra coluna, já que nenhuma das
duas colunas possui um fim distante. No caso do Hotel de Hilbert há a
tentação de se pensar que algum residente infortunado no fim distante
irá cair no espaço. Mas não há fim distante: a linha de residentes não
irá se expandir além do fim distante da linha de quartos. Uma vez que
isto é compreendido, o produto é simplesmente uma verdade explicável
-até mesmo surpreendente e regozijante – sobre o infinito13.
Ora, Sorajbi certamente está correto, como vimos, em que o Hotel de
Hilbert ilustra uma verdade explicável sobre a natureza do infinito
real. Se um número realmente infinito de coisas pudesse existir, o Hotel
de Hilbert seria possível. Mas Sorajbi parece falhar em entender o
ponto principal do paradoxo: eu, por exemplo, não vejo tentação em
pensar em pessoas caindo no fim distante do hotel, pois não há nenhum,
mas tenho dificuldades em acreditar que um hotel em que todos os quartos
estão ocupados possa acomodar mais hóspedes. É claro que a linha de
hóspedes não irá se expandir além da linha de quartos, mas se todos
esses quartos infinitos já possuem hóspedes neles, então será que mudar
tais hóspedes de lugar pode realmente criar quartos vagos? A própria
ilustração de Sorajbi das colunas de anos passados e de dias passados
não é menos inquietante para mim: se dividirmos as colunas em segmentos
do tamanho de um pé e marcarmos uma coluna como os anos e a outra como
os dias, então uma coluna é tão longa como a outra e mesmo assim para
cada segmento do tamanho de um pé na coluna de anos, são encontrados 365
segmentos de tamanho igual na coluna de dias! Estes resultados
paradoxais podem ser evitados somente se as coleções de infinitos reais
puderem existir apenas na imaginação, e não na realidade. De qualquer
forma, a ilustração do Hotel de Hilbert não é exaurida por lidar apenas
com a adição de novos hóspedes, pois a subtração de hóspedes resulta em
absurdos até mesmo mais intratáveis. A análise de Sorajbi não faz nada
para resolvê-las. Portanto, parece-me que as objeções à premissa (2.11)
são menos plausíveis do que a premissa em si.
Com relação à (2.12), a objeção mais
freqüente é que o passado deve ser considerado como um infinito
potencial apenas, não como um infinito real. Esta foi a posição de
Aquino contra Bonaventure, e o filósofo contemporâneo Charles Hartshorne
parece se alinhar com Tomás neste ponto14.
Tal posição, entretanto, é insustentável. O futuro é potencialmente
infinito, já que ele não existe; mas o passado é real de um modo que o
futuro não é, como evidenciado no fato de que possuímos traços do
passado no presente, mas não traços do futuro. Portanto, se a série de
eventos passados nunca começou a existir, então deve ter havido um
número infinito real de eventos passados.
As objeções contra ambas as premissas,
portanto, parecem ser menos convincentes do que as premissas em si.
Juntas, elas implicam que o universo começou a existir. Portanto, eu
concluo que este argumento fornece bons fundamentos para aceitar a
verdade da premissa (2) que o universo começou a existir.
SEGUNDO ARGUMENTO DE SUPORTE
O segundo argumento (2.2) para o início
do universo é baseado na impossibilidade de se formar um infinito real
por adições sucessivas. Este argumento é distinto do primeiro no que ele
não nega a possibilidade da existência de um infinito real, mas a
possibilidade de este ser formado por adição sucessiva.
A premissa (2.21) é o passo crucial no
argumento. Não se pode formar uma coleção infinita real de coisas por se
adicionar sucessivamente um membro depois do outro. Desde que é
possível sempre adicionar mais um antes de se chegar ao infinito, é
impossível alcançar o infinito real. Algumas vezes isto é chamado de
impossibilidade de “contar ao infinito” ou “atravessar o infinito”. É
importante entender que esta impossibilidade não tem nada a ver com a
quantidade de tempo disponível: faz parte da natureza do infinito que
ele não pode ser assim formado.
Alguém pode dizer que enquanto uma
coleção infinita não pode ser formada ao começar por um ponto e depois
adicionar membros, todavia uma coleção infinita poderia ser formada sem
nenhum início, mas terminando em um ponto, ou seja, terminando em um
ponto após um membro após outro ter sido adicionado pela eternidade. Mas
este método parece até mais inacreditável do que o primeiro método. Se
não é possível contar até o infinito, então como é possível contar
regressivamente do infinito? Se não é possível atravessar o infinito
pelo mover em uma direção, como seria possível atravessá-lo pelo simples
mover na direção oposta?
De fato, a idéia de uma série sem começo
terminando no presente parece absurda. Para dar apenas uma ilustração:
suponha que encontremos um homem que afirma ter contado através da
eternidade e agora está terminando: …, -3, -2, -1,0. Poderíamos
perguntar por que ele não terminou de contar ontem ou anteontem ou no
ano passado? Até lá um tempo infinito já teria se passado, então ele já
deveria ter terminado naquele tempo. Portanto, em nenhum ponto no
passado infinito poderíamos encontrar o homem terminando sua contagem,
porque em tal ponto ele já deveria ter terminado! De fato, não importa
quão longe voltemos ao passado, nós nunca poderemos encontrar o homem
terminando a contagem, pois em qualquer ponto que o alcançarmos ele já
terá terminado. Mas se em nenhum ponto do passado podemos encontrar ele
contando [até o fim], isto contradiz a hipótese de que ele esteve
contando pela eternidade. Isto ilustra o fato de que a formação de um
infinito real por adição consecutiva é igualmente impossível se alguém o
faz até ou do infinito.
A premissa (2.22) pressupõe uma visão
dinâmica do tempo no qual os eventos são realizados de modo serial, um
depois do outro. A série de eventos não é um tipo de linha do mundo
eternamente subsistente que aparece sucessivamente na consciência. Ao
invés disso, tornar-se é real e essencial ao processo temporal. Esta
visão do tempo não é livre de desafios, mas considerar suas objeções nos
levaria muito longe15.
No momento, é preciso satisfazer-se com o fato de que estamos
argumentando no fundamento comum com nossas intuições ordinárias da
transformação temporal e em concordância com um bom número de filósofos
contemporâneos do tempo e do espaço.
Dadas as verdades de (2.21) e (2.22), a
conclusão (2.23) segue logicamente. Se o universo não começou a existir
em um tempo finito atrás, então o presente momento nunca poderia ter
chegado. Mas obviamente, ele chegou. Então, sabemos que o universo é
finito no passado e começou a existir.
Novamente, será proveitoso considerar
várias objeções que têm sido oferecidas contra este raciocínio. Contra
(2.21), Mackie objeta que o argumento assume indevidamente um ponto
inicial infinitamente distante no passado e então declara impossível
viajar daquele ponto até hoje. Mas não haveria um ponto inicial no
passado infinito, nem mesmo um infinitamente distante. Mesmo assim, de
qualquer ponto no passado infinito, há apenas uma distância finita até o
presente16.
Ora, parece-me que a alegação de Mackie de que o argumento pressupõe um
ponto inicial infinitamente distante é inteiramente sem fundamento. A
característica das séries não possuírem início serve apenas para
acentuar a dificuldade de serem formadas pela adição cumulativa. O fato
de não haver nenhum início, nem mesmo um infinitamente distante, torna o
problema mais, não menos, perturbador. E o ponto que em qualquer
momento do passado infinito possui apenas uma distância temporal finita
até o presente pode ser descartado como irrelevante. A questão não é
como qualquer porção finita das séries temporais pode ser formada, mas
como toda série infinita pode ser formada. Se Mackie pensa que porque
cada segmento das séries pode ser formado por adição cumulativa então
toda a série inteira pode ser formada, então ele está simplesmente
cometendo a falácia da composição.
Sorajbi similarmente objeta que a razão
porque é impossível contar regressivamente do infinito é porque contar
envolve por natureza pegar um número inicial, o que está faltando neste
caso. Mas completar um lapso infinito de anos não envolve nenhum ano
inicial e, portanto, é possível17.
Entretanto, esta resposta é claramente inadequada, pois, como vimos, os
anos de um passado infinito poderiam ser enumerados por números
negativos, que no caso de um número infinito completo de anos implica,
realmente, em uma contagem regressiva do infinito. Sorajbi, entretanto,
antecipa esta objeção e afirma que tal contagem regressiva é possível em
princípio e, portanto, nenhuma barreira lógica foi mostrada para o
transcorrer de um número infinito de anos passados. Entretanto,
novamente, a questão que estou colocando não é se existe uma contradição
lógica em tal pensamento, mas se tal contagem não é metafisicamente
absurda. Pois vimos que tal contagem não poderia em nenhum ponto ter
sido completada. Mas Sorajbi novamente tem uma resposta pronta: dizer
que a contagem não deve ter terminado em nenhum ponto confunde a
contagem de um número infinito de anos com a contagem de todos os
números. Em qualquer ponto do passado, o contador eterno já terá contado
um número infinito de números, mas isto não implica que ele terá
contado todos os números negativos. Eu não penso que o argumento faz
esta alegação equivocada, e isto pode ser tornado claro examinando-se a
razão porque nosso contador eterno é supostamente capaz de completar a
contagem dos números negativos terminando em zero. De forma a justificar
a possibilidade deste feito intuitivamente impossível, o argumento do
oponente apela ao chamado Princípio da Correspondência usada na teoria
dos conjuntos para determinar se dois conjuntos são equivalentes (ou
seja, possuem o mesmo número de membros) ao comparar os membros de um
conjunto com os membros do outro conjunto e vice versa. Com
base neste princípio, o opositor argumenta que desde que o contador
viveu, digamos, um número infinito de anos e desde que o conjunto de
anos passados pode ser colocado em uma correspondência de um-a-um com o
conjunto de números negativos, segue que ao contar um número por ano, um
contador eterno iria completar a contagem de números negativos até o
ano presente. Se perguntássemos por que o contador não poderia terminar
no ano que vem ou em uma centena de anos, o opositor responderia que
antes do presente ano, um número infinito de anos já teria passado,
então, pelo princípio da correspondência, todos os números já devem ter
sido contados agora. Mas este raciocínio volta-se contra o opositor:
pois, como vimos, nesta explicação o contador já deveria ter terminado
de contar todos os números em qualquer ponto do passado, já que existe
uma correspondência um-a-um entre os anos do passado e os números
negativos. Portanto, não há equívoco entre contar um número infinito e
contar todos os números. Entretanto, neste ponto um absurdo mais
profundo aparece à vista: suponha que haja outro contador que faça a
contagem no ritmo de um número negativo por dia. De acordo com o
Princípio da Correspondência, que fundamenta a teoria dos conjuntos
infinitos e a aritmética transfinita, ambos os contadores eternos
terminarão suas contagens no mesmo momento, mesmo que um esteja contando
em um ritmo 365 vezes mais rápido que o outro! Será que alguém pode
acreditar que estes cenários podem, de fato, serem obtidos na realidade,
ao invés de representarem o produto de um jogo imaginário jogado em uma
esfera puramente conceitual de acordo com convenções lógicas adotadas e
axiomas?
No que diz respeito à premissa (2.22),
muitos pensadores objetaram que não precisamos considerar o passado como
uma série infinita sem começo e com um fim no presente. Popper, por
exemplo, admite que o conjunto de todos os eventos passados seja realmente infinito, mas que as séries de
eventos passados são potencialmente infinitas. Isto pode ser visto
começando-se no presente e numerando os eventos regressivamente,
formando assim um infinito potencial. Portanto, o problema de um
infinito real ser formado por adição sucessiva não aparece18.
De maneira similar, Swinburne pensa que é duvidoso que uma série
completa infinita sem início, mas com um fim faça sentido, mas ele
propõe resolver o problema ao começar no presente e regressar ao
passado, então a série de eventos passados não teria um fim e seria,
portanto, um infinito completo19. Esta objeção, entretanto, confunde claramente a contagemregressiva mental com o progresso real das
séries temporais dos eventos em si. Numerar as séries regressivamente a
partir do presente mostra apenas que se há um número infinito de
eventos passados, então podemos numerar um número infinito de eventos
passados. Mas o problema é: como esta coleção infinita de eventos veio a
ser formada por adição sucessiva? Como concebemos mentalmente as séries
não afetam de maneira alguma o caráter ontológico das séries em si como
uma série sem início, mas com um fim, ou, em outras palavras, como um
infinito real completado por adição sucessiva.
Novamente, as objeções a (2.21) e (2.22)
parecem menos plausíveis do que as premissas em si. Juntas elas implicam
(2.23), ou seja, que o universo começou a existir.
PRIMEIRA CONFIRMAÇÃO CIENTÍFICA
Estes argumentos puramente filosóficos
para o começo do universo receberam confirmações extraordinárias a
partir de descobertas na astronomia e na astrofísica no século XX. Estas
confirmações podem ser resumidas em dois pontos: a confirmação da
expansão do universo e a confirmação das propriedades termodinâmicas do
universo.
Com relação ao primeiro, a descoberta de
Hubble em 1929 do desvio para o vermelho na luz de galáxias distantes
iniciou uma revolução na astronomia talvez tão significante como a
revolução Copérnica. Antes disso, o universo como um todo era concebido
como estático; mas a conclusão impressionante a que Hubble chegou foi
que o desvio para o vermelho é devido ao fato de que o universo está, de
fato, expandindo-se. A incrível implicação deste fato é que se
alguém traça a expansão de volta no tempo, o universo se torna denso e
mais denso até que se chega ao ponto de densidade infinita, do qual o
universo começou a expandir. A conclusão da descoberta de Hubble é que
em algum ponto do passado finito – provavelmente há 15 bilhões de anos
atrás – o universo inteiro se contraiu em um ponto matemático simples
que marcou a origem do universo. Esta explosão inicial veio a ser
chamada “Big Bang”. Quatro dos mais proeminentes astrônomos do mundo
descreveram tal evento nestas palavras:
O universo começou de um estado de densidade infinita… Espaço e tempo foram criados neste evento e também toda a matéria do universo. Não faz sentido perguntar o que aconteceu antes do Big Bang, é como perguntar qual é o norte do Pólo Norte. Da mesma forma, não é sensato perguntar onde o Big Bang se localizou. O universo-ponto não foi um objeto isolado no espaço; ele era o universo completo, e, portanto, a resposta só pode ser que o Big Bang começou em todo lugar20.
Este evento que marcou o início do
universo torna-se mais impressionante quando se reflete no fato de que
um estado de “densidade infinita” é sinônimo de “nada”. Não pode haver
um objeto que possui densidade infinita, porque se ele tivesse qualquer
tamanho ele poderia ser até mais denso. Portanto, como o astrônomo de
Cambridge Fred Hoyle apontou, a teoria do Big Bang requer a criação da
matéria do nada. Isto porque quando se volta no tempo, chega-se ao ponto
em que, nas palavras de Hoyle, o universo foi “reduzido a nada”21. Portanto, o que o modelo do Big Bang parece requerer que o universo começou a existir e foi criado do nada.
Alguns teóricos tentaram evitar o início
absoluto do universo implicado pela teoria do Big Bang ao especular que o
universo pode ter passado por séries infinitas de expansões e
contrações. Existem, porém, bons fundamentos para questionar a adequação
de tal modelo oscilante do universo: (i) o modelo oscilante parece ser
fisicamente impossível. Apesar de toda discussão sobre esses modelos, o
fato parece ser que eles são possíveis apenas teoricamente, mas não
possivelmente. Como o falecido professor Tinsley de Yale explica, em
modelos oscilantes “mesmo que os matemáticos digam que o universo
oscila, não há física conhecida para reverter o colapso e saltar para
uma nova expansão. Os físicos parecem dizer que aqueles modelos começam
do Big Bang, expandem, colapsam e então acabam”22.
Para que o modelo oscilante possa ser correto, parece que as leis
conhecidas da física teriam que ser revisadas. (ii) O modelo oscilante
parece ser observadamente indefensável. Dois fatos da astronomia
observacional parecem ir contra o modelo oscilante. Primeiro, a
homogeneidade observada da distribuição da matéria através do universo
parece inexplicável em um modelo oscilante. Durante a fase de contração
de tal modelo, buracos negros começam a engolir a matéria ao redor,
resultando em uma distribuição da matéria sem homogeneidade. Mas não há
nenhum mecanismo conhecido para resolver esta falta de homogeneidade
durante a fase de expansão seguinte. Portanto, a homogeneidade da
matéria observada através do universo continua sem explicação. Segundo, a
densidade do universo parece ser insuficiente para a re-contração do
universo. Para que o modelo oscilante seja até mesmo possível, é
necessário que o universo seja suficientemente denso para que a
gravidade possa superar a força da expansão e puxar o universo de volta
novamente. Entretanto, de acordo com as melhores estimativas, se alguém
levar em consideração tanto a matéria luminosa quanto a matéria
não-luminosa (encontrada em halos galácticos) como qualquer contribuição
das partículas de neutrinos para a massa total, o universo continua
tendo apenas metade do que é necessário para a re-contração 23.
Além disso, trabalhos recentes em calcular a velocidade e desaceleração
da expansão confirmam que o universo está expandindo na chamada
“velocidade de escape” e não vai, portanto, se re-contrair. De acordo
com Sandage e Tammann, “Portanto, somos forçados a concluir que… parece
inevitável que o universo irá se expandir para sempre”; eles concluem,
portanto, que “o Universo aconteceu apenas uma vez.” 24.
SEGUNDA CONFIRMAÇÃO CIENTÍFICA
Como se não fosse o bastante, existe uma
segunda confirmação científica do início do universo baseada nas
propriedades termodinâmicas de vários modelos cosmológicos. De acordo
com a segunda lei da termodinâmica, processos que agem em um sistema
fechado sempre tendem a um estado de equilíbrio. Assim, nosso interesse
está nas implicações disso quando a lei é aplicada ao universo como um
todo. Pois o universo é um gigantesco sistema fechado, já que é tudo o
que existe e não há energia fluindo para dentro do exterior. A segunda
lei da termodinâmica parece implicar que, dado tempo suficiente, o
universo irá atingir um estado de equilíbrio termodinâmico conhecido
como “morte térmica” do universo. Esta morte pode ser quente ou fria,
dependendo do universo expandir para sempre ou de eventualmente
contrair-se novamente. Por um lado, se a densidade do universo é grande o
bastante para superar a força da expansão, então o universo irá se
contrair novamente em uma bola de fogo. Quando o universo se contrai, as
estrelas queimam mais rapidamente até finalmente explodirem ou
evaporarem. Quando o universo se torna mais denso, os buracos negros
começam a engolir tudo o que há em volta e a aglutinarem-se eles
próprios até que todos os buracos negros finalmente aglutinem-se em um
gigantesco buraco negro de igual extensão com o universo, de onde ele
jamais voltará a surgir. Por outro lado, se a densidade do universo é
insuficiente para parar a expansão, como parece mais provável, então as
galáxias irão transformar todos seus gases em estrelas e as estrelas
irão se consumir. Em 1030 anos o universo irá consistir de
90% de estrelas mortas, 9% de buracos negros super-massivos e 1% de
matéria atômica. A física de partículas elementares sugere que depois os
prótons irão se decair em elétrons e pósitrons, tornando o espaço cheio
de um gás rarefeito tão ralo que a distância entre um elétron e um
pósitron será do tamanho da presente galáxia. Em 10100anos,
alguns cientistas acreditam que os buracos negros em si irão se dissipar
em radiação e partículas elementares. Eventualmente toda matéria no
universo frio, escuro e eternamente em expansão, será reduzida a um gás
ultra-ralo de partículas elementares e radiação. O equilíbrio irá
prevalecer, e todo o universo atingirá o estado final, onde nenhuma
mudança ocorrerá.
A questão que precisa ser respondida é
esta: se, dado tempo suficiente, o universo irá atingir a morte térmica,
então porque não está agora em um estado de morte térmica se ele
existiu por um tempo infinito? Se o universo não começou a existir,
então ele devia estar agora em um estado de equilíbrio. Alguns teóricos
sugeriram que o universo escapa da morte térmica final ao oscilar do
passado eterno ao futuro eterno. Mas já vimos que tal modelo parece ser
fisicamente e observadamente inviável. Mas mesmo que evitemos tais
considerações e imaginemos que o universo oscila, o fato é que as
propriedades termodinâmicas deste modelo implicam o exato começo do
universo que seus proponentes tentam evitar. Pois as propriedades
termodinâmicas de um modelo oscilante são tais que o universo expande
mais longe e mais longe a cada ciclo sucessivo. Portanto, quando se
traça as expansões de volta no tempo, eles se tornam menores e menores.
Como um time científico explica, “O efeito da produção de entropia será
alargar a escala cósmica de ciclo a ciclo…Portanto, olhando de volta no
tempo, cada ciclo gerou menos entropia, teve um ciclo de tempo menor, e
teve um fator de expansão do ciclo menor do que o ciclo que o seguiu.” 25.
Novikov e Zeldovich do Instituto de Matemática Aplicada da Academia de
Ciências da URSS portanto concluem: “O modelo multi-ciclo tem um futuro
infinito, mas apenas um passado finito”26.
Como outro escritor aponta, o modelo oscilante do universo, portanto,
ainda requer uma origem do universo anterior ao menor ciclo27.
Portanto, para qualquer cenário que
alguém escolha para o futuro do universo, a termodinâmica implica que o
universo começou a existir. De acordo com o físico P.C. Davies, o
universo deve ter sido criado um tempo finito atrás e está em um
processo de término. Antes da criação, o universo simplesmente não
existia. Portanto, conclui Davies, mesmo que não gostemos, devemos
concluir que a energia do universo foi de alguma maneira simplesmente
“colocada” na criação como uma condição inicial 28.
Portanto temos confirmações científicas e
filosóficas para o início do universo. Com este fundamento, penso que
estamos amplamente justificados em concluir pela verdade da premissa (2)
que o universo começou a existir.
PRIMEIRA PREMISSA
A premissa (1) impressiona-me como
relativamente incontroversa. Ela é baseada na intuição metafísica de que
algo não pode vir do nada. Portanto, qualquer argumento em favor do
princípio está sujeito a ser menos óbvio que o princípio em si mesmo.
Até mesmo o grande cético David Hume admitiu que ele nunca afirmou uma
proposição tão absurda como que algo possa vir à existência sem uma
causa; ele apenas negou que alguém poderia provar o obviamente verdadeiro princípio causal29.
Com relação ao universo, se originalmente não houve nada – nem Deus,
nem espaço, nem tempo -, então como poderia o universo possivelmente vir
a existir? A verdade do princípio ex nihilo, nihil fit é tão óbvio que eu penso que somos justificados em abrir mão de uma defesa elaborada da primeira premissa do argumento.
Todavia, alguns pensadores, ao
exercitarem evitar o teísmo implícito nesta premissa dentro do presente
contexto, sentiram compelidos a negar sua verdade. De maneira a evitar
suas conclusões teístas, Davies apresenta um cenário em que ele confessa
que “não deveria ser levado muito a sério”, mas que parece exercer uma
forte atração para Davies30.
Ele faz referência a uma teoria quântica da gravidade de acordo com a
qual o espaço-tempo em si poderia trazer o não-causado à existência do
absolutamente nada. Enquanto admite que “não há uma teoria quântica da
gravidade satisfatória,” tal teoria “poderia permitir que o espaço-tempo
fosse criado e destruído espontaneamente e sem uma causa da mesma
maneira que partículas são criadas e destruídas espontaneamente e sem
uma causa. A teoria iria implicar certa probabilidade determinada e
matemática de que, por exemplo, uma bolha de espaço iria aparecer onde
nada havia antes. Portanto, o espaço-tempo poderia sair do nada como
resultado de uma transição quântica sem causa”31.
Em verdade, a criação de pares de partículas não fornece analogia para este vir-a-ser ex-nihilo radical,
como Davies parece sugerir. Este fenômeno quântico, mesmo que fosse uma
exceção ao princípio de que todo evento tem uma causa, não fornece
analogia para algo vindo à existência do nada. Embora os físicos falem
disto como criação de pares de partículas e destruição, estes termos são
filosoficamente enganosos, porque tudo o que realmente ocorre é
conversão de energia em matéria ou vice versa. Como Davies admite, “O
processo descrito aqui não representa a criação de matéria do nada, mas a
conversão de energia pré-existente em forma de matéria.”32 Portanto,
Davies ilude grandemente seu leitor quando ele afirma que “Partículas…
podem aparecer do nada sem uma causa específica” e novamente, “Ainda, o
mundo da física quântica produz rotineiramente algo do nada”33 Ao contrário, o mundo da física quântica nunca produz algo do nada.
Entretanto, para considerar o caso em
seus próprios méritos: a gravidade quântica é tão pouco compreendida que
o período anterior a 10-43 segundo que esta teoria espera
descrever, tem sido comparada por um engraçadinho como as regiões nos
mapas dos antigos cartógrafos marcadas com “Aqui há dragões”: ele pode
ser facilmente enchido com toda sorte de fantasias. De fato, não parece
haver uma boa razão para se pensar que tal teoria iria envolver o tipo
de vir-a-ser ex-nihilo espontâneo que Davies sugere. Uma teoria
da gravidade quântica tem sido o objetivo para arranjar uma teoria da
gravidade baseada na troca de partículas (gravitões) ao invés da
geometria do espaço, o que pode ser trazido para uma Teoria da Grande
Unificação que une todas as forças da natureza em um estado
super-simétrico no qual uma força fundamental e um tipo simples de
partícula existem. Mas não parece haver nada nisso que sugira a
possibilidade do vir-a-ser ex-nihilo espontâneo.
Em verdade, não está de todo claro que a
explicação de Davies seja até mesmo inteligível. O que pode significar,
por exemplo, através da afirmação de que há uma probabilidade matemática
de que o nada deveria gerar uma região de espaço-tempo “onde nada
existia antes?” Isto não pode significar que, dado tempo suficiente, uma
região do espaço iria pular à existência em certo lugar, já que nem o
lugar e nem o tempo existem separados do espaço-tempo. A noção de certa
probabilidade de algo saindo do nada, portanto, parece incoerente.
Nesta linha de idéias, sou lembrado de
algumas observações de A.N. Prior relacionadas ao argumento colocado por
Jonathan Edwards contra algo vindo à existência sem uma causa. Isto
seria impossível, disse Edwards, pois então seria inexplicável porque
toda e qualquer coisa não poderiam ou não viriam chegar à existência sem
uma causa, já que antes de suas existências eles não possuem naturezas
que poderiam controlar suas vindas-a-existência. Prior fez uma aplicação
cosmológica do raciocínio de Edwards ao comentar sobre a teoria do
estado estacionário quando esta postula a criação contínua de átomos de
hidrogênio ex-nihilo:
Não faz parte da teoria de Hoyle que este processo seja sem causa, mas eu quero me definir melhor sobre isto, e dizer que se ele é sem causa, então o que se alega acontecer é fantástico e inacreditável. Se for possível que objetos – em verdade, objetos que realmente são objetos, “substâncias possuidoras de capacidades” – venham a existir sem uma causa, então é inacreditável que eles venham a se tornar objetos do mesmo tipo, ou seja, átomos de hidrogênio. A natureza peculiar dos átomos de hidrogênio não pode ser o que faz esse vir-a-existência possível para eles e nem para objetos de qualquer outro tipo; pois os átomos de hidrogênio não possuem esta natureza até que eles venham a tê-la, isto é, até que suas vindas-a-existência tenham ocorrido. Este é o argumento de Edwards, de fato, e aqui ele parece inteiramente convincente…34
No caso em questão, se originariamente
nada existia, então por que o vazio deveria trazer à existência o
espaço-tempo espontaneamente, ao invés de, digamos, átomos de
hidrogênio, ou até mesmo coelhos? Como alguém pode falar da
probabilidade de algo em particular pular para a existência a partir do
nada?
Davies em certa ocasião pareceu responder
que as leis da física são o fator de controle que determina o que irá
saltar sem causa à existência. “Mas qual das leis? Elas devem estar
‘ali’ para o início de modo que o universo possa vir a existir. A física
quântica deve existir (em algum sentido) de modo que a transição
quântica possa gerar o cosmo em primeiro lugar”35 Em
verdade isto parece excessivamente estranho. Davies parece atribuir às
leis da natureza um tipo de status causal e ontológico tal que elas
forçam um vir-a-ser espontâneo. Mas isto parece claramente enganoso: as
leis da física não causam ou forçam nada por si mesmas; elas são apenas
descrições proposicionais de certa forma e generalidade que ocorre no
universo. E a questão que Edwards levanta é por que, se não há
absolutamente nada, seria verdade que qualquer coisa ao invés de outra
deveria saltar à existência sem uma causa? É fútil dizer que de alguma
forma pertence à natureza do espaço-tempo fazer isso, pois se não
houvesse absolutamente nada então não haveria nenhuma natureza para
determinar que tal espaço-tempo devesse vir a existir.
Até mesmo de forma mais fundamental,
todavia, o que Davies antevê certamente é tolice metafísica.Apesar de
seu cenário ser colocado como uma teoria científica, alguém precisa ser
corajoso o bastante para dizer que o Imperador não está vestindo nenhuma
roupa. Ambas as condições suficientes e necessárias para o surgimento
do espaço-tempo existiam ou não; se existiam, então não é verdade que
nada existiu; se não existiam, então parece ontologicamente impossível
que algo deva surgir do absoluto nada. Chamar uma geração espontânea à
existência do nada de “transição quântica” ou atribuí-la a “gravidade
quântica” não explica nada; de fato, nesta teoria, não há explicação.
Ela apenas acontece.
Parece-me, portanto, que Davies não
forneceu nenhuma base plausível para negar a verdade da primeira
premissa do argumento cosmológico. Que tudo o que existe tem uma causa
parece ser uma verdade ontologicamente necessária, uma que é
constantemente confirmada em nossa experiência.
CONCLUSÃO
Dada a verdade das premissas (1) e (2),
segue logicamente que (3) o universo deve ter uma causa para sua
existência. De fato, penso que pode ser plausivelmente argumentado que a
causa do universo deve ser um Criador pessoal. Pois como poderia um
efeito temporal surgir de uma causa eterna? Se a causa fosse
simplesmente um conjunto mecânico e operacional de condições suficientes
e necessárias que existem desde a eternidade, então por que o efeito
não existiria também desde a eternidade? Por exemplo, se a causa da água
ser congelada é a temperatura abaixo de zero grau, então se a
temperatura estivesse abaixo de zero grau desde a eternidade, qualquer
água presente estaria congelada desde a eternidade. O único meio de se
obter uma causa eterna com um efeito temporal seria se a causa fosse um
agente pessoal que livremente escolhe criar um efeito no tempo. Por
exemplo, um homem sentado na eternidade pode querer se levantar;
portanto, um efeito temporal pode surgir de um agente eternamente
existente. De fato, o agente pode criar da eternidade um efeito temporal
tal que nenhuma mudança no agente necessite ser concebida. Portanto,
somos trazidos não somente à primeira causa do universo, mas ao seu
Criador pessoal.
CONCLUSÃO E SUMÁRIO
Em conclusão, vimos com base em
argumentos filosóficos e confirmações científicas que é plausível que o
universo teve um começo. Dado o princípio intuitivamente óbvio de que
tudo que começa a existir tem uma causa para sua existência, somos
levados a concluir que o universo tem uma causa para a sua existência.
Com base no nosso argumento, esta causa deve ser não-causada, eterna,
imutável, atemporal e imaterial. Além disso, ela deve ser um agente
pessoal que livremente escolhe criar um efeito no tempo. Portanto, com
fundamento no argumento cosmológico de kalam, concluo que é racional crer que Deus existe.
NOTAS
1. G.W. Leibniz, “The Principles of Nature and of Grace, Based on Reason,” inLeibniz Selections, ed. Philip P. Wiener, The Modern Student’s Library (New York: Charles Scribner’s Sons, 1951), p. 527.
5. G.W. Leibniz, Theodicy: Essays on the Goodness of God, the Freedom of Man, and the Origin of Evil, trans. E.M. Huggard (London: Routledge & Kegan Paul, 1951), p. 127; cf. idem, “Principles,” p. 528.
7. David Hume, Dialogues concerning Natural Religion, ed. com uma introdução escrita por Norman Kemp Smith, Library of the Liberal Arts (Indianapolis: Bobbs-Merrill. 1947), p. 190.
8. Bertrand Russell and F.C. Copleston, “The Existence of God,” in The Existence of God, ed. com uma introdução escrita por John Hick, Problems of Philosophy Series (New York: Macmillan & Co., 1964), p. 175.
9. Vide William Lane Craig, The Cosmological Argument from Plato to Leibniz, Library of Philosophy and Religion (London: Macmillan, 1980), pp. 48-58, 61-76, 98-104, 128-31.
13. Richard Sorabji, Time, Creation and the Continuum (Ithaca, N.Y.: Cornell University Press, 1983), pp. 213, 222-3.
14. Charles Hartshorne, Man’s Vision of God and the Logic of Theism (Chicago: Willett, Clark, & Co., 1941), p. 37.
15 G.J.
Whitrow defende uma forma deste argumento que não pressupõe uma visão
dinâmica do tempo, afirmando que um passado infinito ainda teria que ser
“vivido através” de qualquer ser consciente, eterno, mesmo que as
séries de eventos físicos tenham subsistido eternamente (G.J. Whitrow, The Natural Philosophy of Time, 2d ed. [Oxford: Clarendon Press, 1980], pp. 28-32).
18. K.R. Popper, “On the Possibility of an Infinite Past: a Reply to Whitrow,”British Journal for the Philosophy of Science 29 (1978): 47-8.
20. Richard J. Gott, et.al., “Will the Universe Expand Forever?” Scientific American (March 1976), p. 65.
23. David N. Schramm and Gary Steigman, “Relic Neutrinos and the Density of the Universe,” Astrophysical Journal 243 (1981): p. 1-7.
24. Alan Sandage and G.A. Tammann, “Steps Toward the Hubble Constant. VII,” Astrophyscial Journal 210 (1976): 23, 7; veja tambémidem, “Steps toward the Hubble Constant. VIII.” Astrophysical Journal 256 (1982): 339-45.
25. Duane Dicus, et.al. “Effects of Proton Decay on the Cosmological Future.”Astrophysical Journal 252 (1982): l, 8.
26. I.D. Novikov e Ya. B. Zeldovich, “Physical Processes Near Cosmological Singularities,” Annual Review of Astronomy and Astrophysics 11 (1973): 401-2.
29. David Hume para John Stewart, February, 1754, in The Letters of David Hume, ed. J.Y.T. Greig (Oxford: Clarendon Press, 1932), 1:187.
34. A.N. Prior, “Limited Indeterminism,” in Papers on Time and Tense (Oxford: Clarendon Press, 1968), p. 65.
O artigo original está aqui.O texto foi traduzido e adaptado por Wagner K. e retirado do site apologia.com.br.
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