sábado, 13 de abril de 2013

O Antigo Testamento e a Bíblia

Por Luiz Sayão

A Bíblia é a revelação escrita de Deus aos homens. Ela é clara em afirmar sua origem divina. As Escrituras
são divinamente inspiradas e proveitosas para nos ensinar a verdade de Deus (2Tm 3.16). Seu próprio testemunho é uma obra plenamente confiável, pois ela é a Palavra de Deus. São 66 livros, 39 no Antigo Testamento, anteriores ao nascimento de Cristo, e 27 no Novo Testamento, escritos depois de Cristo. O Novo Testamento faz sentido quando lemos e entendemos o Antigo Testamento. Há nas Escrituras uma revelação progressista, culminando em Cristo, no Novo Testamento. Resumir o propósito das Escrituras não é fácil, mas podemos dizer que a essência da mensagem bíblica é a seguinte:

1. Explicar a origem do homem

2. Mostrar a origem do mal e do pecado no mundo

3. Ensinar que Deus deseja a salvação dos homens

4. Afirmar que a salvação de Deus está na pessoa de Jesus

5. Afirmar que há esperança e vida eterna para todo aquele que se volta para Deus, por meio de Cristo Jesus.

Ao contrário do que alguns imaginam, os autores da Bíblia não foram usados como uma máquina de escrever quando redigiram os textos sagrados. Não foi algo parecido com uma psicografia!No entanto, mesmo conscientes e mostrando seu estilo peculiar, foram usados por Deus para revelar a vontade divina para nos e não suas próprias opiniões. A prova de que eles não escreveram suas opiniões particulares é que muitos dos autores bíblicos nem compreendiam a plena profundidade daquilo que estavam redigindo, como foi o caso das profecias (2Pe 1.19-21). O Espírito de Deus supervisionou a sua própria Palavra, ainda que tenha usado instrumentos humanos, conforme lemos nas próprias Escrituras Sagradas

Muitas pessoas rejeitam o valor da Bíblia pelo flato de algumas de suas histórias serem repletas de milagres extraordinários. Isso é especialmente destacado no caso do Antigo Testamento. Algumas pessoas até sinceras chegam a perguntar: “Como pode Jonas sobreviver no ventre de uma baleia? Seria verdade que o mar Vermelho abriu-se? Como pode alguém ressuscitar? É possível fazer descer fogo dos céus?”. Muitos pensam que é impossível para um cidadão culto e bem informado acreditar em histórias tão fantásticas. Talvez isso não seja tão difícil assim! É interessante observar, por exemplo, que a maioria das pessoas acredita que Deus criou o mundo e o universo. No entanto, é muito mais difícil criar tudo o que existe a partir do nada do que fazer o mar Vermelho abrir-se. Como pode alguém acreditar que Deus criou todas as coisas e duvidar que ele tem poder para interferir no mundo criado? Se cremos que Deus é Todo-Poderoso não devemos achar tão difícil que ele tenha feito milagres extraordinários como vemos nas histórias de Moisés, Elias e Jonas.



Muita gente tem um certo preconceito contra a Bíblia. Há quem imagine que ela é um livro cheio de tolices e contradições. As principais chamadas contradições envolvem datas de acontecimentos históricos, relatos bíblicos repetidos com enfoques diferentes (nos três primeiros Evangelhos) e discrepâncias numéricas e de listas genealógicos. Como resolver tais dificuldades? Somente uma leitura atenciosa e devida do texto bíblico quebrará esses preconceitos. Aqui vão algumas sugestões de como lidar com essas contradições:

1. Quando o leitor lê o texto sagrado sem um espírito prevenido contra a Bíblia não é difícil encontrar resposta para uma dúvida sincera.

2. A compreensão da cultura da época ajuda muito. Os estudos das genealogias demonstraram, por exemplo, que alguns nomes eram pulados propositadamente, conforme a intenção do autor, o que era prática comum na antiguidade.

3. Outras dificuldades surgem no enfoque do autor. Certo autor bíblico procura enfatizar uma parte da história, enquanto outro omite certos detalhes porque não são importantes para o seu propósito.

4. Não podemos exigir precisão científica para certas afirmações bíblicas. Em Atos 7.6 o texto diz que o povo de Israel ficou 400 anos no Egito. O número foi arredondado. Em Êxodo 12.40, lemos que o período dos israelitas no Egito foi 430 anos. Nesse caso o número não está arredondado. É específico.

5. Há também problemas lingüísticos e relativos aos manuscritos bíblicos que, avaliados com mais atenção por especialistas, trazem compreensão sobre muitos problemas aparentemente insolúveis.

Muita gente sente-se incomodada pelo flato de que os cristãos enfatizam a singularidade da Bíblia. Seria a Bíblia mais confiável do que outros livros sagrados? Seria exclusivismo em demasia dos cristãos afirmar isso? Em primeiro lugar é importante ressaltar que os diversos livros sagrados são muito diferentes entre si. Quando lemos tais obras descobrimos que muitas das idéias de um livro sagrado são absolutamente contrárias às doutrinas de um outro. Duas idéias contraditórias não podem estar certas. A melhor solução para tal dilema é avaliar a questão de perto. Vejamos o que a Bíblia tem a dizer em sua defesa:

1. A história bíblica tens sido confirmada pela arqueologia

2. A Bíblia convida-nos à verificação dos falos, em vez de criar um sistema religioso que resiste ao exame e à verificação

3. Muitas profecias bíblicas têm sido inegavelmente cumpridas na história humana

4. A Bíblia afirma com clareza sua origens divina. Por mais de 400 vezes lemos: “Assim diz o Senhor

5. A Bíblia é o livro mais lido da história humana, inclusive ainda hoje

6. A Bíblia é universal. O poder de atuação da mensagem bíblica é visto em qualquer povo, em qualquer época e em qualquer classe social.

7. A transformação moral de vidas pela mensagem bíblica é fato indiscutível

8. Nenhum outro documento antigo foi tão bem preservado em relação aos documentos originais

9. Sempre que os preceitos bíblicos foram aplicados em uma nação, essa foi abençoada

10. Nenhum outro livro pode ser equiparado à Bíblia na história humana

A interpretação bíblica

A hermenêutica é a ciência da interpretação de textos. Quando leigos a Bíblia e procuramos entendê-la, é necessário saber que não podemos interpretar o texto bíblico de qualquer maneira. A interpretação precisa ser feita de modo consciente e coerente. Se entendemos que o texto bíblico inspirado tem autoridade, a intenção do autor deve ser o foco da atenção do intérprete. Isso significa que o intérprete não pode procurar significados ocultos no texto, mas sim o que o autor quis dizer quando escreveu a obra. Um dos erros mais comuns na leitura do texto é exigir dele o que ele nunca quis dar. Muita gente lê a Bíblia ignorando o tipo de literatura em vista, os costumes da época, o con texto histórico, etc. Apesar da responsabilidade exigida do interprete, devemos dizer que qualquer pessoa devidamente preparada tem o direito e a responsabilidade de interpretar a Bíblia. Não se trata de um livro fechado! Deus usou linguagem comum nas Escrituras para que qualquer pessoa pudesse ter acesso à verdade divina. Para nosso melhor entendimento das Escrituras, aqui vão dez dicas para que se faça uma interpretação adequada e coerente da Bíblia:

1. Desejo sincero de aprender com o texto.

2. Ler com atenção o próprio texto, procurando entender o que o autor quis ensinar.

3. Entender o texto no seu sentido normal, a não ser que o texto indique o contrário.

4. Observar o tipo de literatura em vista (se é narrativa, parábola, poesia, etc.).

5. Perceber que a Bíblia usa a linguagem do cotidiano, baseada na observação do senso comum, e não uma linguagem técnica (ex.: o sol nasce – S1 113.3; levanta-se – Tg 1.11).

6. Observar o início e o fim do texto, avaliando o contexto imediato.

7. Descobrir quem fala, por quê e para quem, entendendo o contexto histórico do texto.

8. Procurar outros textos que falam do mesmo assunto e comparar os mesmos.

9. Entender que o Novo Testamento tem precedência sobre o Antigo, pois a Bíblia é uma revelação progressiva e Cristo é o centro da mensagem bíblica.

10. Os textos mais difíceis devem ser entendidos à luz dos mais claros e reafirmados na própria Bíblia.



O uso indevido do Antigo Testamento

A igreja evangélica brasileira é uma das mais dinâmicas e criativas do mundo. Por essa razão seu crescimento tem sido extraordinário. Todavia, uma igreja jovem e efervescente tem dificuldades de doutrinar e discipular seus novos membros. Essa é uma realidade na igreja brasileira.

É notório que o uso do Antigo Testamento na liturgia eclesiástica brasileira tem crescido de modo substancial. No contexto de louvor e adoração a ênfase vétero-testamentária é mais do que expressiva. E como percebeu Lutero, a teologia de uma igreja está em seus hinos. Afinal, o que está acontecendo? Para onde estamos indo?

Em primeiro lugar, é preciso ressaltar que o Antigo Testamento representa um fascínio para o nosso povo. É repleto de histórias concretas, circunscritas na vida do povo, no cotidiano de gente comum. É muito mais fácil emocionar-se com uma narrativa como a de Jonas ou de Davi do que acompanhar o argumento de Paulo em Romanos. Além disso, o povo brasileiro tem pouca história e raízes muito recentes. O Antigo Testamento, com a rica história do povo de Israel, traz uma espécie de identificação com o povo comum. Talvez isso explique porque tantos brasileiros evangélicos queiram ou procurem ser mais judeus. Em terceiro lugar, devemos considerar a realidade de que a igreja evangélica brasileira quase não tem símbolos ou expressão artística. A maioria dos símbolos cristãos históricos (catedrais, cruzes, etc.) tem identificação católica na realidade nacional. Assim, os evangélicos buscam símbolos pala expressar sua fé, e acabam escolhendo símbolos judaicos ou vétero-testamentários (menorá, estrela de Davi, etc.).

Este encontro brasileiro-judaico tem muitas facetas positivas: Retomamos uma alegria comemorativa da fé, trazemos a verdade espiritual para a realidade concreta, dificilmente teremos uma igreja anti-semita, enxergamos necessidades sociais e políticas pela força do AT. Todavia, também estamos andando em terreno perigoso e delicado. Algumas considerações são importantes para que a igreja brasileira não perca o rumo por problemas de ordem hermenêutica. A seguir, apresentamos algumas sugestões.

1. Nem todo texto bíblico do AT pode ser visto como normativo. A descrição da vida de um servo de Deus do AT não é padrão para nós sempre. Quando Abraão mente em Gênesis, a descrição do fato não o torna uma norma. A poligamia de Salomão, a mentira das parteiras no Egito e o adultério de Davi não podem servir de desculpas para os nossos pecados.

2. Não podemos cantar todo e qualquer texto do AT. É preciso observar quem está falando no texto. Sem observarmos isso tiraremos conclusões enganosas. Isso é fundamental para se entender o Livro de Eclesiastes. No caso de Jó 1.910, por exemplo, vemos as palavras de Satanás. Isso é fato até no caso do Novo Testamento (veja Jo 8.48).

3. Devemos ensinar que muito da teologia do AT é ultrapassada. Jesus deixou claro que estava trazendo uma mensagem complementar e superior em relação à antiga aliança. Se não entendermos isso, voltaremos ao legalismo farisaico tão questionado por nosso Senhor. Textos com Números 15.32,36 revelam um exemplo daquilo que não tem mais valor na prática da nova aliança. Todos os elementos cerimoniais da lei não podem mais fazer parte da vida da igreja cristã, pois apontavam para a realidade superior, que se cumpre em Cristo (C12 16-18). Sábados, festas judaicas, dias sagrados, sacrifícios e outros elementos cerimoniais não fazem parte da prática cristã neotestamentária.

4 Antes de pregar ou cantar um texto do AT é preciso entendê-lo. Nem sempre é fácil entender um texto do Antigo Testamento Muitos textos precisam ser bem estudados, compreendidos em seu contexto e em sua limitação circunstancial e teológica. Veja por exemplo o potencial destruidor do mau uso de um1 texto como o Salmo 137.9. Se o intérprete não entender que o texto fala da justiça retributiva divina dada aos babilônios imperialistas, as crianças da igreja correrão sério perigo!

5. Devemos ensinar que vingança e guerra não são valores cristãos. Jesus ordenou que devemos amar até mesmo aqueles que nos odeiam. A justiça imprecatória não faz parte da Teologia do NT. Há vários salmos que dizem isso, mas tal realidade compreende-se no contexto do AT e não pode ser praticada na igreja cristã. Não podemos cantar “persegui os meus inimigos e os alcancei, persegui-os e os atravessei” (S1 18.37-38), quando o Senhor Jesus ordena que devemos perdoar e amar os nossos inimigos (Mt 5.44-45). Hoje já existe até gente “amaldiçoando” outros em nome de Jesus! Teremos uma “violência cristã”?

6. Enfatizemos a verdade de que a adoração do NT é superior. O Novo Testamento nos ensina que a adoração legítima independe de lugar, de monte, de cidade, etc. (Jo 4). Jesus insiste em afirmar que Deus procura quem “o adore em Espírito e em verdade”. A tradição evangélica sempre louvou a Deus por seus atos e atributos. Atualmente estamos cada vez mais enfatizando “o monte santo”, “a cidade sagrada”, “a casa de Deus”, “a sala do trono”. Nós somos o “templo de Deus”. Os elementos materiais pouco importam na adoração genuína. É preciso retomar o caminho correto.

7. Ser judeu não torna ninguém mais importante. Alguns evangélicos entendem que “ser judeu” ou “judaizado” os torna de alguma forma “espiritualmente melhor”. O rei Manassés, Atlas e Caifás eram judeus! Já há quem expulse demônios em hebraico! Em Cristo, judeus e gentios são iguais perante Deus. Na verdade “não há judeu nem grego” (G1 3.23). A igreja cristã já pecou por seu anti-semitismo do passado. Será que irá pecar agora por tornar-se judaizante? Devemos amar judeus e gentios de igual modo. Além disso, podemos e devemos ser cristãos brasileiros. Não precisamos nos tornar judeus para ter um melhor “pedigree” espiritual.

Material Adaptado do Manual de Antigo Testamento de Luiz Sayão do Manual de Apoio do Comentário Bíblico Falado, Rádio Transmundial, pp.9-40. O texto é todo do autor, apenas partes selecionadas foram compiladas

Fonte: Teologando

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